A touca inglesa
- Juliana Netto
- 30 de abr. de 2019
- 4 min de leitura
Eu não sei esperar. Sou uma pessoa ansiosa pra resolver tudo rápido. Isso vale pros meus pacientes, pra um familiar doente e vale pra mim também, é claro. Daquele ultrassom do dia 26 de março à primeira infusão da quimioterapia, foram 23 dias. Nesse meio tempo, foram duas consultas com o mastologista, e duas com a oncologista. Sabe aquela história de policiais Cosme e Damião, um morde e o outro assopra? Pra mim, com eles dois funciona assim. Eu acho que não é da natureza masculina saber tranquilizar uma mulher. Eu saí da segunda consulta com o Dr. XY ansiosa, quase fazendo um carnê do SINAF pra aliviar a barra da família e garantir algum glamour para a despedida. Já no dia seguinte, saí da consulta da Dra XX toda feliz, achando a vida linda e fui até comemorar que a coisa não era assim como eu tinha entendido. Tudo nessa vida depende do jeito que a pessoa fala. Vamos pensar em um exemplo concreto: a conta de luz aqui de casa fica por conta do Gustavo e eu amo ar condicionado. Quando chega a conta de luz, se eu anunciar "Paga aí esse boleto de 850 Mitos", vai ser muito mais chocante do que se eu falar com doçura "Amor, a conta de luz veio um pouquinho mais alta esse mês". A mesma coisa vale pros médicos quando anunciam os diagnósticos e tratamentos. Mesmo assim, ainda amo de verdade o Dr XY, e não tenho qualquer intenção de trocar de médico. Só preciso de aprender a lidar com seu jeito menos sutil de se comunicar com os pacientes. Talvez um Frontalzinho maroto antes da consulta, me ajude a sair de lá sem querer contratar um plano funerário.
Lá na clínica maaaara onde a Dra XX atende, as pacientes com Ca de mama são atendidas no núcleo de saúde da mulher. Aí eu, que sempre fui uma rocha, vi como estava no meu momento mais donzela indefesa da vida, e precisava de mimos. Quando a gente está assim, precisa de delicadeza, porque isso faz uma diferença que só quem "está" paciente compreende. Fui recebida por uma enfermeira que é dessas pessoas felizes, sorridentes, que já de cara me deu um abraço. Foi ela quem me deu as primeiras informações de como as coisas funcionariam. Eu já tinha ouvido falar na tal touca que gela o couro cabeludo pra diminuir a queda de cabelos, e lá descobri que ela se chama touca inglesa.
No dia 18 de abril (tô apegada às datas sim, lembram da lua em Virgem?), dei uma corrida de 5k pra deixar o corpo esperto pra quimioterapia, almocei e parti pra praia de Botafogo pra receber a poção mágica. Lá no meu box, uma confortável poltrona posicionada de frente pra enseada de Botafogo me aguardava. Já sentada no meu iron throne, acesso venoso no esquema, vi a enfermeira chegar com a tal touca inglesa. Trata-se de uma touca de gel, tipo aquele gel de bolsa térmica, que fica bem justa na cabeça e tem um tubo conectado a uma máquina, que eu descreveria como um aparelho de ar condicionado portátil. Por cima do gel, vai uma segunda touca, de um material isolante térmico, pra garantir que a pessoa vai ficar com a cuca fresca de verdade. Quando o sistema é ligado, você tem a impressão de que está enterrando a cabeça na neve, tipo um avestruz no Alaska. Mesmo pra quem morre de calor como eu, são cinco minutos desagradáveis, mas uns cinco minutos mesmo, porque depois o frio anestesia e você não sente mais nada. Dali em diante, foi uma sequência de medicamentos pra evitar os efeitos colaterais e, enfim, o coquetel salvador. Eu não via a hora da quimioterapia começar a correr nas minhas veias, afinal, dependo dela pra aniquilar a maligna semente de cajá do mal instalada na mama. Super quimio contra o cajá! Eis que me aparece o técnico de enfermagem, um querido que já tinha trabalhado comigo na Fiocruz, com uma jarra de gelo e um copo. O pulo do gato é que chupar gelo durante a infusão, diminui o fluxo sanguíneo na boca, diminuindo a chegada do quimioterápico na mucosa e na língua. Mano do céu! Que negócio simples e eficiente! Quando a famosa quimioterapia vermelha começou a fluir, por uns dois minutos eu senti aquele gosto de ferro que eu sentia quando criança, quando usava os garfos centenários da minha vó Efigênia, mas perseverando na exótica atividade de chupar gelo, o gosto do garfo da vovó foi sumindo e nunca mais voltou. No total, foram mais de cinco horas sentada no meu iron throne, admirando a Baía de Guanabara, enquanto Guga trabalhava na mesa ao lado.
Saí bem de lá, apenas com a boca seca. Tão bem que, agitada que só com aquele monte de corticóide nas idéias, jantei e fui à praça São Salvador encontrar os amigos. E lá fiquei, alternando entre uma garrafa de água e uma de Gatorade, chupando bala Halls pra não sentir a boca seca, feliz da vida de estar com com os amigos. É isso mores, agora a quinta sem lei é sem álcool, desse jeito mesmo.
Da quimioterapia para a quinta sem lei. Não me julguem. Eu estava determinada a não sentir a tal fadiga pós quimioterapia e, de fato, ela não veio. Domingo de manhã eu já estava correndo de novo, além de fazer o almoço de Páscoa e depois, na terça-feira, organizar uma feijoada pra São Jorge, porque eu tenho mais é que agradecer pelo bom andamento das coisas. Salve, Jorge! Já pensaram em como funcionaria se uma mulher pobre, talvez responsável pela criação e sustento dos filhos sozinha, notasse, como eu, um nódulo na mama? Ela teria que arrumar tempo pra ir à clínica da família, aguardar o agendamento pra um mastologista, pra depois aguardar sei lá mais quanto tempo pra que fosse realizada a biópsia e, enfim, ser regulada para um hospital onde pudesse receber a QT. Né mole não! A vida fora da nossa bolha é dureza... E foram assim os primeiros dias pós QT. Um sapinho lá e outro cá, nistatina, bala Halls, pernas inchadas, mas pedindo é mais, porque ainda tenho muita coisa pra fazer nessa vida.




Ju, esse seu humor que faz tanto bem pra gente, com certeza trás pra você nossa energia de carinho, amor e admiração. Você é uma triatleta. Não vai ser qualquer cajá que vai te derrubar. Querida, muito obrigada por ter ido levar a nós todos seus conhecimsntos benditos no meio desse furacão. Essa sua garra vai te curar. Te amo.
Vc é foda! Adoro ler o que vc escreve. Vai ser um prazer acompanhar vc nessa nessas histórias com alguns percalços (faz parte da vida), mas com o desfecho feliz, isso é certo! Já deu tudo certo! Deus está no controle😘
Eu também acho que você deveria escrever um livro !
Ju
Você é o máximo
Além de iron woman, você tem humor, astral e superando essa fase sempre preocupada com os outros! Está dando certo!
😍🥰😘😘ainda é cronista de mão cheia
Ju... sempre registro em suas postagens ... que com toda essa habilidade na escrita, de nos fazer viver cada momento com você, deveria escrever um livro... e aqui não será diferente... Mas, agora só aguardo o dia da primeira tarde de autógrafos ... na São Salvador... bebendo uma cerveja e "Bagunçando o Coreto" estarei como uma das primeiras da fila... para tirar aquela selfie e dizer VOCÊ É O MÁXIMO! #esquerdistonassemprejuntas ❤🍻💥