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"As Invasões Bárbaras" ou "Uma voadora nos peitos".

  • Foto do escritor: Juliana Netto
    Juliana Netto
  • 29 de abr. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 5 de jun. de 2021

Seria um domingo qualquer mas, naquele domingo especial, trocando de roupa no closet, notei uma irregularidade na mama esquerda. Ser médico tem dores e delícias e, naquele momento, foi só a dor de não ter dúvidas de que aquilo não era coisa boa. Dia 26 de março de 2019, consegui um ultrassom de mamas pro mesmo dia. O exame não deixava espaço para interrogações. Aquela desgraça de semente de cajá estava plantada no meu peito, logo do lado esquerdo, e iria me dar trabalho. Liguei pro Guga, que me encontrou no laboratório e, depois, pra única pessoa casca grossa o suficiente pra eu ligar enquanto ela estava no meio do engarrafamento e gritar "Estou com câncer, caceta! Vem tomar uma cerveja comigo". 

Tenho trabalhado com câncer e HIV há 13 anos. Trabalho intensamente o suficiente pra ter feito um doutorado sanduíche no Colorado, além de ter feito disso o fio condutor da minha vida profissional. Antes, ainda no mestrado, fui orientada por um hematologista que trabalha com infeção em imunossuprimidos. Tô escolada nesses paranauê de biópsia, estadiamento, quimioterapia...mas p*! Agora era comigo, e nessa hora não tem essa de ser médica, todo mundo tem medo. E 48 horas depois do fatídico ultrassom, veio a primeira consulta  no mastologista, aquela porrada que você respeita. O troço não estava ali há muito tempo, era um tumor de crescimento rápido, o que não é o que se quer ouvir quando se recebe um diagnóstico desses. Saímos dali em três, eu, Guga e, novamente, Gabriela. Cara, foi automático. Saímos da consulta e o dilúvio começou a cair, como tem sido toda vez que alguma coisa muito importante acontece na minha vida. Não dava pra ir pra casa... Eu precisava digerir a história. Quando se descobre que tem câncer, a gente dá uma desorientada. Fica tudo confuso, incerto, o tempo paralisa. Fica tudo em suspenso.  Aliás, o tempo ganha um novo ritmo, jamais imaginado. É um dia de cada vez.

Grazadeus tenho muitos amigos, alguns inclusive que encontro várias vezes na semana. É raro as pessoas "adultas" terem esse tipo de amizade, mas tamo falando de URSAL, amigos. Aqui é a república socialista e amorosa das Laranjeiras. Dessa vez, no entanto, os três integrantes do soviet da São Salvador aportaram no Plebeu, em Botafogo, e eu resolvi que ia fazer a minha versão das Invasões Bárbaras. Era  dia de quinta sem lei e, tradicionalmente, nos encontramos (quase religiosamente) na praça todas as quintas-feiras...mas naquela não ia rolar. Pedi pra transferir a quinta sem lei pro Plebeu, e foi ali que dei a notícia pra um carreto de uma vez só. Depois, foi a vez de dar a notícia para outro grupo de queridos, desta vez na sede da URSAL, no chorinho  que acontece aos domingos no coreto da Praça São Salvador. Dava pra ver a tristeza nos olhos deles, eu lembro do rosto de cada um quando eu dei a notícia.

Seguiram-se dias de exames, muitos exames, ansiedade, medo da porra de morrer, mas veio junto um amor imenso pela vida, pelas "minhas" pessoas, muita vontade de viver e uma gratidão (confesso que implico com essa palavra, mas não achei outra pra essa situação) imensa ao universo, por todas as possibilidades que a vida me oferece. Eu fui racionalizando, o medo foi passando e logo entendi o quanto, apesar desse obstáculo a ser superado, sou privilegiada. Tenho um ótimo plano de saúde e sou médica, o que facilita ter acesso aos melhores profissionais e tratamentos. Meu diagnóstico foi em 2019, quando existem opções terapêuticas que há alguns anos não estavam disponíveis. Penso até que posso sair no lucro depois do tratamento, pois terei mais tempo para voltar a treinar e voltar a ficar fitness, além de planejar escolher umas próteses modelo 21 anos quando terminar essa bagaça. Acima de tudo, tenho uma rede de apoio de dar gosto. Uma família bacana, amigos que são família, cabeça boa (não consigo deixar de ver o lado bom dessa história, nem de debochar dos infortúnios do caminho), e tenho tido uma tolerância acima das minhas expectativas depois da primeira sessão de quimioterapia, mas isso é assunto pra outro momento. 

 
 
 

1 comentário


castrofernando5
13 de mai. de 2019

A senhora vai sair dessa, a senhora tem muita energia, a senhora é uma pessoa guerreira, os guerreiros conquistam, porque é do dom deles.

A senhora vai sair dessa.

Dra. Juliana não tem só os

-OS PEITOS DE AÇO-

Tem também a bondade -DE AÇO!.


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