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De hobby de viscose

  • Foto do escritor: Juliana Netto
    Juliana Netto
  • 2 de mai. de 2019
  • 4 min de leitura

Ficar doente, envolve várias mudanças na rotina. Uma das minhas mudanças foi ganhar um cartão de milhagem nos laboratórios. Se, hipoteticamente, cada exame fosse convertido em 5 pontos de milhas (já estou na categoria cliente Platinum), até o final do ano eu poderia viajar para Paris ida e volta na executiva. Eu já saí da primeira consulta com tanto pedido de exame, que quase me arrependi de não ter levado uma mala de mão pra carregar. Tá, rolou um certo exagero, uma Eco Bag resolveria. O Dr. XY desenrolou pra eu conseguir agendar mamografia, ultrassom de abdome, ultrassom pélvico, biópsia de mama e ressonância magnética no mesmo dia. Tão vendo? Mais um motivo pra eu adorar o Dr. XY, apesar dele testar minhas coronárias com tanta frequência. 

Na primeira terça-feira de abril, cheguei às 7h da manhã no CDPI do Leblon, desta vez acompanhada pela Cláudia. Fiquei lá, resiliente, indo de um lado pro outro vestida com um hobby de viscose, cumprindo todas as etapas sem reclamar. O ápice da manhã foi a mamografia de controle pós biópsia. Realmente uma experiência indescritível ter o peito esmagado em vários ângulos diferentes, depois de terem sido retirados cinco fragmentos e colocado um clipe metálico. A palavra "paciente" nunca fez tanto sentido pra mim. Às 14:30, saímos de lá suplicando por comida e paramos no Jobi pra um carinho na alma. 

Na segunda consulta com o Dr. XY, ele me disse que nāo pensaria em uma doença metastática, a não ser que as minhas provas de função hepática viessem muito alteradas. Bom, lá pelas tantas dessa maratona de exames, eu estava absolutamente de saco cheio de tantas idas a laboratório, e resolvi solicitar coleta domiciliar pros exames de sangue pré QT. 

Corta! Sexta-feira, tarde quente e eu em casa desenrolando o agendamento do último exame que um médico pode querer fazer na vida. PET Scan é heavy metal raiz, todo mundo sabe que o prognóstico depende dele. Por isso, é complicado ficar perguntando o resultado de um PET Scan. Imaginem se  alguém pergunta: "E aí, quanto tempo de vida você tem? Você está mais ou menos ferrada?". Recapitulando, estava naquela tarde quente, pedindo autorização pro agendamento do PET, quando meu telefone tocou. "Dra Juliana, aqui é do laboratório Lâmina. A senhora realizou uma coleta domiciliar conosco e gostaríamos de solicitar uma recoleta, pois o resultado do seu coagulograma veio muito alterado". Aaaaah, cara! Pelamordedeus, bicho! Lá estavam as provas de função hepática alteradas...dessa vez eu pensei que nem fosse dar tempo de fazer o carnê do SINAF. Agendei a recoleta pra segunda seguinte, e passei as piores 72 horas da minha vida estudando todas as causas possíveis praquelas alterações. Segunda à noite, liberaram o novo resultado: tudo normal. Toca comemorar que tudo não passava de um erro de laboratório, associado ao raciocínio prejudicado dessa que vos fala, que perdeu todo o bom senso clínico naquele final de semana. Paciente é paciente, tudo meio doido, mesmo quando é médico.

Cumpridas quase todas as etapas, chegou o dia do PET Scan. Olha eu de volta ao CDPI... Entrei no setor antes de 13h, ainda em jejum. Tava lá dando pinta no posto de enfermagem, novamente vestida com meu hobby de viscose (alías, muito digno) e salto alto, esperando o pessoal me chamar pra pegar o acesso venoso, quando avistei uma amiga de mais de vinte anos também dando pinta no posto de enfermagem. Aquele espanto, né? Todo mundo ali ou tem ou já teve câncer, ninguém tá ali de bobeira. Ela : "Você aqui? Tô acompanhando a minha mãe". Eu só pude responder "Eu, como você vê", e apontei pro hobby, "estou aqui por mim mesma". Mano, a gente foi pra balada mil vezes juntas! Viajamos, acampamos, carnavais, festas, trilhas, noites em claro, muitas histórias, mas agora a gente tava se encontrando no setor de medicina nuclear. Ficar velha é isso aí, mas melhor envelhecer do que estar na cidade do pé junto. Fui colocada sozinha numa saleta com uma poltrona reclinável, pra esperar a injeção do radiofármaco. Já que estava demorando, resolvi tirar um cochilo. Quando acordei, já eram 15:05. Poham, tava ficando puxado... Fui ao posto de enfermagem, ainda super de boas, perguntar o motivo da demora. Explicaram que o troço radioativo estava vindo de outro estado e tinha atrasado. Fiz a linha lady e continuei aguardando, mas já tava com as bandas doendo de ficar sentada na mesma posição. Só às 16:25, o mocinho com a seringa do Gálio-68 apareceu. Passavam das 17:40h e eu, em jejum, já estava perdendo qualquer verniz social. Mandei um zap pra Gabriela, que já tinha dormido na sala de espera, corrigido prova, chacotado no celular, descido pra comer uma empada, e só não tinha feito as unhas num salão próximo porque achou que eu sairia antes das 18h. Pedi pra ela ir na recepção perguntar se eu estava viva, pra dar uma agitada no ambiente. Resolvi partir pro terrorismo e, ao invés de ir ao posto de enfermagem, passei a apertar a campainha pra perguntar que horas iam me colocar na bendita sala de exames. Aí as velhotas das saletas ao redor se empoderaram e estava formado o motim! Todo mundo agitado, gritando que era um absurdo aquela demora e, batata! Escutei um funcionário gritar lá fora: "Avisa que a Juliana entra em 15 minutos!". Era melhor se livrar logo da terrorista incendiária de velhotas. Feito o exame, arranquei o hobby de viscose e meti o pé de lá às 19:20, ainda sem comer nada desde a noite anterior. Dessa vez, não rolou nem caminhar até o Jobi, foi na pizzaria Vespa da esquina mesmo. 

Todo mundo que sabe da minha saga, quer fazer a mesma pergunta, então eu vou tranquilizar vocês. A melhor frase que eu li em 2019, até o momento, foi "Não se observam achados metabólicos sugestivos de implantes secundários." Traduzindo, a doença está limitada à mama e, ao que tudo indica, vocês ainda vão ter que me aguentar muito tempo por aqui. 

 
 
 

5 comentários


rachelemarcio
29 de jun. de 2019

Ju, acho incrível a forma q vc encara essas coisas! Além de que vc é uma escritora maravilhosa! Não se esqueça de publicar um livro depois que vc estiver livre desses momentos estressantes! Te acho linda por dentro e por fora! Força aí que já deu tudo certo! Beijos Rachel Carneiro ❤

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chrispontes
12 de mai. de 2019

Ju, toda a força pra você. Vc já encarou o Pincher caolho, agora vai com tudo contra essa semente de cajá! Bjs Chris Pontes

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deliaengel
12 de mai. de 2019

Ju, guenta firme aí. Tem muita gente nessa torcida!!!!!!

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flaviatm
02 de mai. de 2019

Amiga querida de baladas, te reencontrar no Pet-ct foi místico demais.

Eu também tive câncer de rim no ano passado e venci a doença. Tenho fé na tua resiliência e sei que você também vencerá!😘

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monica.louback
02 de mai. de 2019

Ju esse hobby de viscose ninguém merece kkkkkkkkkkkk. Ao menos chega limpo! Estamos juntas nessa para o que você precisar: ombro amigo, aguardar na sala de espera, visitar o Dr XY amado, fazer um chá gelado para amenizar o dia, jogar conversa fora, cozinhar com o João, e aguardar a hora das cervas estarem liberadas de novo!!!!! Essa vai ser a melhor parte e já podemos começar a planejar a festança! Beijos querida e conte conosco!

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