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Do hipotireoidismo ao triathlon.

  • Foto do escritor: Juliana Netto
    Juliana Netto
  • 29 de set. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 31 de dez. de 2019

No mês que vem, vai ter a festa de comemoração de vinte anos da equipe da Marcinha. Por causa disso, estão brotando muitas fotos "vintage" do começo deste século, em que eu aparento ter metade do corpo que eu tenho agora, e três vezes mais cabelos.

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Esse chuveiro era um oásis no retorno de Guapi. Lá também tinha a venda da Dona Sônia, e a gente comia pastel e Coca Cola depois de algumas horas de treino.

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Vinho no pré prova do Lomg Distance de Pirassununga.

Eu me lembrei de quando e porque entrei na equipe, e isso me jogou lá atrás, quando João nem existia. Então hoje eu não vou escrever sobre hospital e nem cirurgia, hoje eu tô saudosa e o texto é flashback.

Houve nesta cidade, no bairro do Caju (isso mesmo, aquele bairro cheio de cemitérios, armazéns de carga, quente e cheio de poeira e catiorros vira latas), a primeira sede do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião. O hospitalzinho era pequeno e tinha uma casa no pátio, onde ficavam o CTI e a emergência. As paredes externas eram cravejadas de balas, mas durante o dia, quem passava por ali, não imaginava que de noite a chapa esquentava e o bagulho ficava sinistro. Haviam muitas árvores, cachorros subiam e desciam as rampas e acabavam por se deixar tombar, preguiçosamente, para repousar na porta da emergência. Eram assiduos e um deles, tinha crises de epilepsia. Quando ele convulsionava na porta da emergência, o Teruo Ito, um intensivista muito querido, medicava ele.

Tínhamos uma equipe de plantão incrível e super amiga. Somos amigos até hoje. E se sucedeu que em meio aos muitos plantões, eu comecei a ter um sono incontrolável. Uma das pediatras, a Dani, também era endocrinologista, e eu disse pra ela que tinha certeza de que estava com hipotireoidismo, que minha avó Efigênia tinha, e o mais óbvio é que minha tireóide andava me traindo também. Avisei que eu iria coletar exames de sangue no dia seguinte, pra fazer o diagnóstico da minha doença da tireóide. Ela riu e falou pra incluir um beta HCG na minha investigação. Eu saí do plantão, coletei o sangue pros exames e fui pro INTO trabalhar. Nessa época, eu e Guga morávamos em Niterói, na penúltima transversal da praia de Icaraí, e eu me lembro de falar com a secretária do serviço: "Rúbia, estou com tanto sono, mas tanto sono, que se eu demorar mais pra ir pra casa, posso morrer na ponte". Fui pra casa e apaguei. Quando eu acordei, liguei pro laboratório pra saber se já havia algum resultado dos exames. A moça falou que o resultado do beta HCG tinha sido sei lá quantas mil unidades... Do outro lado da linha, eu parecia que tinha dado uma encarada na Medusa e tinha virado uma estátua de mármore. Fiquei muda. A moça continuou: "Senhora? Senhora? Gostaríamos de acrescentar que este resultado é considerado positivo". Era isso. Eu ia ser mãe! Gustavo estava no Jardim Botânico pra dar aula, mas pegou um táxi voando pra Niterói. Ele estava de dieta, mas naquele dia entrou em casa, foi direto pra geladeira e abriu uma cerveja. Meu hipotireoidismo já estava com seis semanas, hoje tem quatorze anos e é um cara bacana pra caramba. A proximidade da chegada do João fez a gente vender o apê de Niterói e voltar pro Rio. Aí veio a rotina de bebê pequeno, que cês sabem como é. Meu pai me deu uma bicicleta ergométrica antiga que tinha na casa dele. Quando o João dormia, eu corria pra bicicleta, era o meu momento. Pedalei tanto, mas tanto, que ela quebrou. Guga percebeu que eu tava bem doida com a história de pedalar, e achou uma empresa que fabricava bikes de spinning, lá do Paraná, e colocamos uma delas no escritório de casa. Lembro que João foi crescendo e eu comecei a correr na areia do Brejão. Quando ele entrou na creche da Fiocruz, eu passei a correr na academia da Asfoc (nosso sindicato) antes de pegá-lo. Um dia, eu estava na esteira e um rapaz me disse que era corredor, e que achava que eu deveria buscar acompanhamento profissional. Foi aí que eu conheci a Márcia Ferreira, essa lenda do esporte, mas acima de tudo, uma pessoa sensacional.

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Comecei com uma meia maratona, depois veio a maratona, um triathlonzinho afogado na praia do Flamengo, engolindo aquela água do brejo, uma travessia dos Fortes, um meio ironman em Pirassununga, numa excursão em que todo mundo ia num ônibus de turismo, com bicicletas, capacetes, malas, famílias, João pequenininho, e ainda tinha a hospedagem no "melhor hotel da cidade". Muito engraçado! Enfim, resolvi fazer o tal ironman. Eu não era o que se podia chamar de uma nadadora razoável, mas era uma ciclista e corredora pelo menos mediana. Então, minha meta era sair da água viva, dentro do tempo limite, e depois eu me viraria com certeza. Nessa época, a monstra da Gabriela era minha vizinha, e repetia sempre que achava que eu não deveria fazer aquilo, porque eu iria morrer. Bom é vizinho que coloca a gente pra cima... Nada é muito simples no esporte pra mim, porque com as juntas frouxas, é ombro que sai do lugar, pé que torce, patela que pula...mas aos trancos e barrancos, apesar da cirurgia do ombro e todas as complicações da minha frouxidão ligamentar, de um doutorado na terra do Pinscher Caolho e mesmo do cajá maligno, sigo treinando com a Marcinha. Mesmo pesando uma arroba a mais, mais velha e toda catrevada, sigo com ela. E com ela pretendo fechar esse ciclo de quimioterapia-cirurgia-radioterapia-bloqueio disso e daquilo, fazendo novamente um ironman. A gente pega um limão, e faz uma caipirinha. E a gente pega a doença, e transforma em mais vida. Treinar é vida pra mim, mesmo que seja pedalar no rolo, aqui na minha sala, assistindo ao Revenge Body With Khloe Kardashian (me julguem, eu não ligo), e se o pé não aguentar correr todo dia na rua, correr na esteira. E nadar, mesmo que eu não tenha talento pra isso. Quem já pedalou na estrada, sabe como é bom sentir o vento no rosto quando a gente desce uma ladeira. Também sabe como é duro passar horas de um lado pro outro, sob o sol que castiga aquela Rio-Teresópolis, com a sensação de que a qualquer momento pode se transformar num charque, se virando pra completar a quilometragem da planilha. Ou como dói pensar em ir nadar à noite, depois de um dia de trabalho, que começou com algum treino feito nas primeiras horas da manhã... não é racional, e nem é pra ser. F

Falando nisso, o Dr. M me liberou pra pedalar (calma, gente, é em casa). Saí do consultório e fui logo pedir ajuda do João pra montar a bicicleta no rolo. O mais difícil foi a fraqueza dos braços, que por três semanas pouco foram usados, e o simples apoiar no guidão já me cansava. Com o passar dos dias, está melhorando. Tirei uma foto dia desses, um sorriso que nem cabia no rosto, mais que sincero, vindo lá de dentro. As sobrancelhas falhadas, porque a maquiagem não é tão waterproof assim como promete, e derreteu com o suor. Aquela cara inconfundível de uma boa de uma tiazona chubby. Mesmo sem sobrancelhas, me movimentar me trouxe a sensação de estar viva novamente, e me afastou daquela aura de convalescença que me faz mal ao espírito. Mil vivas ao suor!

PS: Também tô de alta daquele sutiã de compressão duzinfernos, tá?

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