Fechando com chave de ouro.
- Juliana Netto
- 30 de dez. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de jan. de 2023
Última segunda-feira desse ano esquisito que foi 2019, muita coisa pra contar. A última infusão do novo Lysoform Poder O2, suave para os cabelos, foi dia 18. Eu tava muito animada com esse novo tratamento que, dizem, é muito melhor tolerado do que os Diabos Verdes que eu tinha recebido até agora, tanto que pedi pra Marcinha me inscrever na Maratona do Rio. Pura fé na recuperação desse fusquinha que aqui escreve, porém... Desde o primeiro ciclo eu já tinha me decepcionado um pouco com o troço, mas depois desse segundo...ma-no-do-céu! Eu abracei o capeta, eu andei pelo vale das sombras, fiquei no umbral por sete dias. Deus me livre de passar mal daquele jeito de novo! Tô pesquisando umas simpatias, aceito indicação de garrafadas e tô doida pra acabarem as férias da nossa macumba pra tomar uns passes de respeito e manter isso longe de mim. Diminuição do apetite e um certo enjôo, mesmo que de leve mas sempre ali, eu já sentia há tempos, desde que comecei os tais comprimidos que dão um calorão miserável. Anorexia, que é a absoluta falta de vontade de comer, na verdade uma dificuldade absurda e um enjôo de barco pequeno em alto mar, em dia de tempestade, eu não tinha sentido em momento nenhum do tratamento. Pra não desnutrir, eu me forcei a comer pelo menos duas vezes ao dia. A primeira refeição podia ser um copo pequeno de suco com proteína em pó, pra garantir que eu não ia sair disso muito detonada, eu ainda não desisti de correr a maratona do Rio. Mais tarde era qualquer coisa que descesse, de preferência sopa, mais fácil de aturar. Pois é...calor do cão e eu vivendo de sopa. Num desses dias em que eu mal conseguia sair da cama, a Ana Paula Grether, uma amiga maravilhosa, veio me trazer dois potes de sopa de frango com legumes, toda orgânica. Uma benção! À medida que os dias foram passando, eu fui ficando cada vez mais fraca. Subir os degraus até a cozinha era desesperador. Eu sentia uma falta de ar horrível e as pernas queimavam como se eu tivesse feito vinte tiros de cem metros em alta velocidade, depois subido e descido as Paineiras correndo, mas era apenas um lance de escadas... Segunda passada, antevéspera de Natal, saímos da radioterapia (RT) nos Estados Unidos da Barra da Tijuca e tivemos a brilhante idéia de ir ao Mundial do Recreio, na maior esperança de que encontraríamos vaga facilmente e que, sendo maior dos que os próximos à nossa casa, as filas seriam menores. Eu vi um Rei do Mate e resolvi quebrar o jejum antes de encarar o front, já tava dando pra descer uma coisinha mais consistente. Depois de comer, entramos e começamos a missão. Filas entrando pelos corredores, difícil andar no meio de tanta gente. O homem da promoção relâmpago anunciava o pernil Seara, as pessoas corriam atrás dos amarrados de refrigerante e cerveja, e eu só sentindo o pão subindo até a garganta e voltando. Eu fiquei guardando lugar na fila, enquanto Guga fazia viagens pelo supermercado para garantir os víveres natalinos. Chegaram o azeite, as azeitonas, as batatas, o vinho branco, e eu começando a ter medo de vomitar o café da manhã no colega da frente. Quando ele terminou as compras, pedi a chave do carro e fui deitar no banco de trás, no estacionamento quente do Mundial, meus amigos, mas não tinha como continuar naquela fila. Nem liguei o ar condicionado pra não ter gente perguntando se eu já ia liberar a vaga. Dormi. Naquele bafo, dormi. Naquela hora eu nem sentia calor, só precisava de dormir. Quando acordei, já estávamos no pedágio da Linha Amarela. No dia 24, passamos a noite de Natal com a nossa segunda família, os Aleusis, na casa de Tarcísio e Gabriela (aquela mesma pra quem eu liguei depois de fazer o primeiro ultrassom). Consegui comer um pratinho, bem devagar e querendo ter mais vontade de comer aquelas coisas que eu adoro. Na real, num Natal normal, magra ou roliça, eu teria feito pelo menos umas três viagens à mesa. Arroz de bacalhau, bacalhau com batatas, bacalhau com cenoura, peru, farofa, presunto, aquela orgia alimentar na minha frente, e eu me esforçando pra comer o conteúdo do fundo do meu pratinho. Quem diria... Dia seguinte, ficamos com a família em casa. O capiroto baforando no Ridejanêro, eu com o pescoço cheio de brotoejas na área irradiada, a paciência já acabando. Quinta-feira acordei com uma falta de ar desmedida pra andar até o banheiro do meu quarto. In dubio pro reu, então tomei umas prednisonas, podia ser asma, mesmo que eu aparentemente não estivesse sibilando. E nada de melhorar... Quando terminou a sessão de RT, a técnica veio dizer que observou que meu volume pulmonar estava variando muito e tinha notado que eu estava ofegante. A coisa tava ficando feia pro meu lado... Uns poucos passos me deixavam com falta de ar e, mesmo falar muito (e eu falo muito, cês sabem), estava me cansando. Cheguei em casa, João foi fazer uma massagem nos meus pés cansados, e viu que eu estava com uma equimose enoooorme na perna. Daí fui assuntar e reparei que eu estava cheia delas pelo corpo, nem a pele acima da válvula do expansor escapou, porque eu dormi em cima dela e ficou roxa. Provavelmente elas estavam ali há algum tempo, mas como eu estava passando boa parte do meu tempo deitada, nem eu e nem ninguém tínhamos reparado. Ah, gentchy! Tudo tem limite nessa vida, mas a vida não achava isso e estava testando a minha paciência muito além do que eu achava razoável. Era dia de revisão com o Dr. M, o cirurgião plástico, e ele me fez um pedido de hemograma depois de ver as equimoses e a minha dificuldade de respirar e falar ao mesmo tempo. Vocês vão se perguntar por que eu não liguei pra Dra. XX, e é possível que eu leve uma bronca dela por isso, mas eu tenho uma boa justificativa. Eu sabia que, se tudo aquilo fosse mesmo relacionado com a medicação, como todas as evidências indicavam, tinha data pra começar e com certeza tinha data pra terminar. A coitada estava viajando com a família, com filhos pequenos, e não iria resolver nada se eu não tivesse pelo menos um hemograma. Só ia servir pra atrapalhar as férias dela. Mesmo com o João pequeno, conto nos dedos de uma mão quantas vezes eu procurei atendimento de emergência. Minha aposta estava correta, era só ter paciência, embora ela estivesse acabando. No final da sexta, a falta de ar começou a diminuir e sábado eu estava me sentindo uma fênix ressurgindo das cinzas frente ao meu estado dos dias anteriores. Pronto, eu tinha virado a página daquela semana de cão. Esconjuro, pé de pato, mangalô três vezes encarar aquilo de novo. Passei o sábado trancada no ar condicionado, sentada na cama, economizando as forças e montando as medalhas para a I Grande Corrida São Salvador, a "corrida" que eu organizei e meus amigos maravilhosos toparam participar, solidários ao fato de que eu não poderia ir correr a São Silvestre de São Paulo. Chegou o domingo, aquele sol lindo, lá fomos nós pra praça arrumar o coreto pra chegada da nosso volta olímpica. Zazá, Jurema e Aleusis ajudaram o Guga a distribuir as camisas dos retardatários. Fernanda ajudou com a faixa de chegada. Teca fazia prancha no chão do coreto, segurando uma garrafa de Heineken. Francisco, filho da Isa, corria e tocava sua guitarrinha. Tanta gente linda que nem sei dizer. Do meu sogro de 79 anos à minha afilhada Dorinha, de seis meses, passando pela minha mãe, que não gosta de tumulto mas estava ali. O AC Junior, fotógrafo e marido da Ana, é outro querido e levou seu equipamento para registrar o evento. Aleusis, nossa marechala, presidente do Bagunça Meu Coreto, preparou uma tocha de cartolina para eu segurar na frente daquele bloco de gente com camisas vermelhas, e pediu para uma conhecida fotografar e filmar para nós. Pontualmente às 10:30, ocupamos a rua de paralelepípedos e partimos ferozes depois da largada, dada com o soar dos pratos do Luizinho.

Eu fui trotando na frente, e flagrei o riso dos PMs que papeavam na esquina quando viram aquela turba chegando. Completamos o "exaustivo" percurso e circulamos o coreto pelo lado, antes de romper a faixa. Dentro do coreto, onde foram entregues as medalhas, recebi com lágrimas nos olhos as surpresas que o pessoal tinha preparado. Minha irmã fez uma faixa com fotos minhas, inclusive na chegada da Maratona do Rio de 2014 ou 15, onde se lia "Run, Ju, run" e "Fuck cancer". Marechala me colocou uma coroa de louros e uma faixa de rainha (meodeos), o pessoal do Farofada mandou flores. Era só emoção. Muitos abraços, também emocionados, das muitas pessoas que compareceram. Não tenho como descrever o que foi esse dia na minha vida. E é isso. Se me faltar qualquer outra coisa na vida, tenho certeza de que amor, abraços, carinho e solidariedade não me faltarão. Então não importa se foram 400 metros e não 15km, não importa que eu tenha tido que ir em casa tomar um remédio pra enjôo e pegar a saliva artificial depois de dar uma volta na praça, importa que eu não estou sozinha. Isso, minha gente, não tem preço. Assim me despeço de 2019, um ano que me ensinou muito, tentou me derrubar, mas não conseguiu. A carcaça pode não estar no seu melhor estado, mas o coração tá aquecido e o espírito forte, pronto pra enfrentar o que vier em 2020. Feliz Ano Novo, meus queridos!












Sandra, obrigada pela mensagem! A gente se fortalece, umas nas outras. Vamos que vamos! 😊
Te conheço! Você é as Sandras, Joanas , Anas, Carlas e todas NÓS outras. Emocionante seu texto! Senti falta de ar, quando você sentiu... senti calor, quando sentiu... fiquei feliz, quando ficou e até corri com você a maratona que teve seu fechamento (dourado, posso assim dizer, pois aquele tantão de pessoas queridas no mesmo compasso, não tem outra cor pra representar o brilho que emanou de cada um que lá eateve) no coreto da Praça. Quem tem migos, tem tudo!!!! Um beijo no coração.
Ju, perdi a I Grande da Praça São Salvador, mas fiquei muito feliz de poder te dar um abraço mais tarde e conversar com pessoas tão queridas. 2019 foi pros fortes, e você faz parte desse grupo. E em 2020 continuamos sem soltar a mão de ninguém! Feliz Ano Novo! ♥️