Fevereiros
- Juliana Netto
- 19 de fev. de 2020
- 7 min de leitura

De um modo geral, eu amo fevereiro! É meu aniversário, e eu amo aniversários, e é aniversário do João. É aniversário da Teca e de mais um monte de gente boa, e é, principalmente, o mês do carnaval. Eu amo carnaval! A gente pensa nas fantasias, faz viagens ao Saara, compra os acessórios, às vezes tem fantasia coletiva, enfim, a gente vive intensamente aquela transgressão de ser muito feliz durante uma semana. O que é um desfile do Boi Tolo, que começa de manhã e não termina nunca mais? Ano passado, me lembro de pergarmos um temporal enorme no Leme, uma lama só. E o povo foi embora? Nada! Aí que a mulherada de top less pulava e balançava os peitos purpurinados! Esse ano, eu, com meus peitos biônicos, pretendia desbancar a garotada, mas... Senta que lá vem a história.
Aquela combinação do novo Lysoform com a radioterapia, não foi bem recebida pelo meu corpo. Dentre outras coisas, como uma fraqueza que me fez passar boa parte de dezembro, janeiro e fevereiro de cama, a investigação da anemia me rendeu visitas à emergência. Ninguém tava levando muita fé que eu estava me arrastando por causa da anemia. Quando a gente é médico, rola uma tensão (totalmente justificada, tá?), os colegas te reviram pelo avesso pra ter certeza de que não vão comer nenhuma mosca. Aí começou a novela: "Pode ser cardiopatia, faz um ecocardiograma". Okay, vamos lá. Meu amigo Guilherme, de quem eu sou amiga desde o primeiro dia da faculdade, estava de plantão num hospital bacana, e me deu uma força me acompanhando na via crucis. Eu precisei passar pela emergência, porque não tinha prontuário. Um cardiologista me atendeu, junto com uma "assistente" novinha, que parecia recém saída do ensino médio. Ela foi medir minha pressão, com um aparelho de desses todos automáticos, mas com o velcro já todo catrevado, surrado de guerra. Aí veio com a graça: "175x95"! Ai, querida... Sorry, mas não sou hipertensa. Mede no outro braço. "Ih, deu diferente"! Aff. A essa altura, o cardiologista já começou a falar em estenose de aorta pela radioterapia, e eu me sentindo num filme de ficção científica, desses que a pessoa vive uma vida que não é dela. Enfim, aferiram no aparelho manual e todo mundo se convenceu de que eu não estava tendo um pico hipertensivo. Era só o que faltava, eu terminar deitada numa cama da unidade coronariana, tomando Nipride pra baixar a pressão... Da salinha de atendimento, me sentaram numa cadeira de rodas. Issaê! Na cadeira de rooodas!!! Eu, trabalhada no look verão, vestido de alcinha e maquilagem nos trinques pra disfarçar a cara pálida de anemia, de castigo na cadeira de rodas. Coletaram mais um bocado de sangue, mesmo eu tendo explicado que tinha coletado dez tubos três dias antes. Dali não me deixaram mais sair da tal cadeira, e nela fui levada pra sala do ecocardiograma, onde a chefe da cardiologia fez meu exame e concluiu o que eu já imaginava: exame normal. Mandei o resultado do exame pra Dra XX e pra Lu, minha amiga hemato e agora também minha médica, imaginando que agora poderíamos partir pro tratamento da anemia, mas Dra XX, depois de debater com a Lu, me respondeu que eu agora precisava de fazer uma tomografia de tórax. Eu comecei a chorar quando ouvi aquele áudio. Juro! Chorei. Igual criança. Eu tinha acabado de passar horas num hospital, poderia inclusive ter feito a bendita tomografia no mesmo carreto...mas não! Paciente tem que ter o que? Paciência... Só que a minha tinha acabado, eu estava desesperada, em frangalhos. Eu estava me arrastando desde dezembro, com muita dificuldade pra subir as escadas da minha casa e até de caminhar um pouco mais rápido no plano. O ápice foi ter que sentar no degrau da escada, no meio do caminho, por não conseguir ir adiante. E toca a fazer hemograma, repete o hemograma e faz mais um tanto de investigação no sangue, e dosa peptídeo atrial, vê função renal, passa pela acadêmica que quase me tornou hipertensa, anda de cadeira de rodas, faz eco e no final... Faz uma tomografia pra gente descartar causa pulmonar. Eu não tinha forças pra mais nada, então liguei pro Rafa, que falou com um amigo que liberou pra eu fazer o exame no mesmo dia, mas...tinha que passar de novo pela emergência. Na emergência desse outro hospital, que está sempre lotada, tinha uma moça oriental de máscara, provavelmente achando que tinha suspeita de coronavírus. Aliás, parecia um uniforme, pelo menos metade do pessoal esperando atendimento tava de máscara, todo mundo vítima do Kapetovirus cariocca. Mais uma consulta com uma plantonista novinha, um monte de perguntas, mas me safei de coletar sangue de novo. Algumas horas de espera, e fiz a tomografia. Novamente apenas as sequelas de uma tuberculose frustra, marcas de uma infectologista raiz. Nada de pneumonite pela radiação ou outra esquisitisse que pudesse ser a causa do meu penar. Depois de muita discussão, a Lu, hemato pica das galáxias do meu coração, meio que a contragosto, receosa dos possíveis eventos adversos, me receitou o kit reposição mais eritropoetina. Glória a Deeeeuxxx! Consegui começar o tratamento na véspera do meu aniversário. Diria que foi um presente.
Ano passado comemorei meu aniversário numa grande festa de arromba em benefício do nosso bloco, o Bagunça Meu Coreto, com música e muita dança até de manhã. Esse ano foi diferente, em família, mas foi muito especial. Especialíssimo pelo fato de ter chegado até aqui, com tantos perrengues pelo caminho. Cheguei física e espiritualmente transformada. Muitos quilos abaixo de quando comecei o tratamento (tudo tem que ter um lado bom nessa vida, né nom?), peitos que não nasceram comigo, mas pelos quais já tenho muito apreço, várias cicatrizes, algumas rugas que o botox há de resolver, menos cabelos, cabeça mais forte pras durezas da vida. A gente toma tanto na cabeça, que depois olha tudo sob outra perspectiva. Segunda-feira, dia dez de fevereiro, acordei mãe de um menino de quinze anos. Olha, que presente! Que cara bacana que esse João se tornou. Meio nerd, meio hipster, totalmente amoroso e companheiro. Quando eu me pego andando na rua, com o braço comprido daquele magrissa de pés 42/43 sobre o meu ombro, fico toda orgulhosa. Meu Deus! Não tinha nem três quilos quando nasceu, agora toma conta de mim!
Por esses dias, tive outra perícia médica. Eu fui direto da radioterapia e estava realmente na raspa do tacho, porque da capa do Batman eu já tinha caído há tempos. Guga ficou nervoso porque bem sabe que perícia médica é um desses compromissos pague para entrar, reze para sair, e eu não estava em condições de muita espera, e foi perguntar pro pessoal do atendimento se tinha alguma previsão, pra ver se seria o caso de me levar pra esperar em um lugar mais fresco, tomando uma água gelada. Tomou aquele passa fora clássico, daí falei pra ele pra sair pra tomar um café e me comprar uma água com gás, enquanto eu esperava sentadinha pela minha vez. Eu também não estava a fim de grandes caminhadas, estava cem porcento no modo de economia de energia. Assim que Guga saiu em busca de um café, um médico magrinho, que eu conhecia de vista da perícia anterior, me chamou. Perguntou minha especialidade, e aí começou: "Você não lembra de mim? Sou eu, Dr. Fulano, do INTO". Dei aquela escaneada no HD, e nada... "Eu trabalhava com a Dra. Fulana. Lembra que fizemos um trabalho na saúde do trabalhador, e você ajudou a gente?". Parti pra mentira do bem. Ah, claro! Lembrei, sim. Ele quis levar a intimidade adiante e mandou um "...mas você era diferente, seu cabelo era maior, tinha mais cabelo". Bom, nem consegui responder. Depois de um ano de tratamento oncológico, o cara diz que meu cabelo era maior...olha...
Sexta retomei as infusões. Dose reduzida, porque a anterior castigou essa carcaça e eu rezei todos os pontos de eventos adversos da bula do remédio. Até o momento, sem comparação com o último ciclo, tô me sentindo bem melhor. Semana passada, peguei o Coronavírus carioca, e estou tomando corticóide por causa da asma. Isso deve ter ajudado a melhorar a disposição e o apetite. Eu não tava conseguindo comer quase nada até semana passada. Emagrecer é uma delícia, mas o processo de definhar em inanição e totalmente sem energia, não é nada bacana.
Segunda tive uma consulta com a Dra. L, minha radio-oncologista do coração. Que pessoa iluminada! Foi muito bom ir à consulta e poder dizer que estou melhor, ao invés de reclamar de fraqueza e falta de ar. Às vezes, a gente só se dá conta de como estava ruim, quando começa a melhorar, e eu tenho a sensação de que estou nascendo de novo. No começo de março, tenho mais um ciclo do Lysoform, possivelmente com a dose ajustada. Se tudo correr bem e eu tolerar, posso começar a retomar a vida, flertar com a normalidade. Claro que é um conceito de normalidade adaptada. Ainda terei consultas, infusões, exames... Mas trabalhar, ver gente, interagir, me sentir útil, dá sentido à vida.
São pequenas coisas que nos fazem felizes. Por exemplo, agora estou tomando um café. Não me lembro a última vez que eu tomei um café antes de hoje. O cheiro me enjoava, aliás, muita coisa me enjoava. Num desses dias de radioterapia, em que Guga inventava programas pra levantar minha moral, ele me levou pra almoçar em Santa Teresa. Eu tava realmente feliz com o programa, mas ainda sentada na mesa, o meu estômago começou a devolver o almoço, que também era meu desjejum, pois não tinha tomado café da manhã. Foi o tempo de meter a mão na boca pra conseguir chegar no banheiro e não vomitar nos demais comensais do restaurante. Eu não sei como aguentei ficar assim de dezembro a metade de fevereiro.
Que venham os confetes e as serpentinas, porque fevereiro ainda não acabou e a vida tá recomeçando pra mim.





Puxa Ju....pensei q tinha acabado as sessões......mas força aí que já está passando.E renascendo. Deus te abençoe no tratamento e seu oncologista tb...Acho q vc só deveria ficar tratando com a oncologia para não ficar desgastando com outras investigações diagnósticas.Se precisar de alguma recomendação de médico eu forneço o tel do meu oncologista.
Bjo fique bem ! Deus no comando!
Um dia de cada vez! Força aí! You are Ironman!
voce é uma guerreira e fico contente que sejas madrinha da minha neta Dora. Avante e força.