Numa semana que teve de esteticista à Caixa Econômica, minha redenção veio na esteira da Smart Fit.
- Juliana Netto
- 21 de out. de 2019
- 6 min de leitura
Comecei a escrever sentada num puff, na ante-sala de uma esteticista, no prédio da galeria Condor. Aquela mesma galeria das hipnotizantes esfihas da Rotisseria Sírio Libanesa. Tinha no rosto um creme anestésico sobre as sobrancelhas, que estavam cobertas por um filme plástico pra garantir que o unguento fizesse efeito. O papo das senhoras que faziam as unhas, ia da roubalheira do STF à trilogia de filmes do Batman, passando pela decepção de uma delas com a altura do Cauã Raymond, que ela esperava ser muito mais alto. Uma nipônica com cara de santa, só falava de homens bonitos. Eu definiria como um sashimi incendiário.
Os cabelos começaram a repovoar minha cabeça, mas as sobrancelhas, excessivamente falhadas, ainda me obrigavam a passar lápis até pra tomar café da manhã em casa. Impressiona como a gente pode usar gorro, faixa, ou mesmo assumir uma certa calva, mas quando caem as sobrancelhas é que a criatura fica com cara de moribunda. Acontece que moramos no Hell de Janeiro, e a temperatura ambiente de máquina de assar galetos voltou à cidade. Imagina passar o lápis nas sobrancelhas e dar uma caminhada pelo Largo do Machado? A pessoa volta pra casa com o look de voluntária da Cruz Vermelha chegando da guerra. Sei que depois de enfrentar a maratona de papo futilidade das senhoras do Largo do Machado, saí de lá com as sobrancelhas arrumadas e livre do lápis pra sempre. Viva a micropigmentação e todas as medidas de resgate da auto estima, que te permitem não lembrar o tempo todo que tem uma doença e está fazendo um tratamento chatinho.
Passando a amenidades nem tão amenas, a gente tem um amigo chamado Lulu. Lulu deve ter tipo 1,90m, é contador, mas é conhecido como "o homem forte" do grupo. Isso porque é aquele que você pode chamar pra ajudar a montar um armário, carregar sacos de gelo, empurrar um carro enguiçado... Mas é uma das pessoas mais doces que a gente conhece. Dia desses, o cabra resolveu dar um rolê com uma bike que estava com o pneu gongado. No final da descida de uma passarela do Brejo, o pneu estourou, Lulu desabou no chão que nem um tronco de baobá e quebrou a clavícula. Somos agora um imobilizado e outra prejudicada, que fica com os pés ardendo de ficar muito tempo em pé, um rescaldo da quimioterapia que me deixou com neuropatia periférica. Surgiu então, a cena peculiar na zona sul desse Ridejanêro: duas pessoas, uma delas com o braço amarrado numa tipóia, sentadas em cadeiras de praia, numa praça, entre um coreto e um chafariz. As cadeiras de praia foram rebatizadas para cadeiras de praça. O povo tomou gosto e o número de cadeiras foi aumentando... De vez em quando, algum conhecido pergunta se eu estou fazendo terapia. Eu posso dizer que sim. É na praça que eu faço a digestão das notícias, tomo decisões, a praça é meu psicotrópico e minha sessão de psicanálise. Hoje posso dizer que não tomo antidepressivos e ganhei alta da analista, os troquei pela conversa, sentada na minha cadeira de praça.
Aliás, um dos amigos da minha família da praça, que é gerente da Caixa Econômica, descobriu que a Souza Marques, depois de 15 anos, finalmente fez o depósito do meu FGTS. Em tempos de ser surpreendida a todo momento com boletos cheios de números para pagar exames e especialistas, achei a notícia da categoria Mega Sena. Uma das coisas que eu acho mais chatinhas no dia a dia, é fazer laudo pro FGTS, mas olha a ironia: lá fui eu pedir os meus, juntar os documentos e me mandar pra Caixa Econômica Federal, felizona. Passei pela porta giratória meio ansiosa por causa das válvulas de titânio que eu carrego no tórax, mas não tive nenhum problema e desaguei numa agência super vazia, incompatível com a realidade. Claro que tava bom demais pra ser verdade. O segurança largou o zap pra me dizer que eu tinha que ir lá fora pegar uma senha. Dei de cara com a funcionária da distribuição de senhas cas mão nas cadeiras, gritando pra uma cliente: "Mas você já foi mandada embora, pra poder sacar?". Tava na cara que meu prognóstico era reservado, mas eu não tô podendo abrir mão de dinheiro por preguiça. Avisei que queria sacar o FGTS por doença, peguei minha senha e descobri que tinha que ir pra loja ao lado pra esperar resignadamente o meu número ser chamado. Umas cem cadeiras para a espera, quase tudo lotado. Galera toda na alegria de sacar o faz me rir, só gastando o tempo no zap. Eu vou precisar de nascer de novo pra entender porque as pessoas não usam fone de ouvido... Loja lotada, atendimento lento, uma multidão esperando, geral assistindo aos vídeos com as primeiras imagens da abertura do aniversário Guanabara, e eu ouvindo tudo por tabela. Depois de uma hora e meia chamaram meu número, eu peguei a pastinha e falei toda sorridente que tinha ido sacar o FGTS por doença. O gerente me olhou como se eu estivesse pelada ou estivesse com a cara pintada de verde, e eu expliquei novamente o que eu pretendia fazer. O homem continuou a me olhar com aquela cara derretida e me explicou que tinham me dado a senha errada, que ali era o atendimento expresso, mas ele iria me levar pessoalmente pra pegar a senha certa. Aí quem ficou com a cara derretida fui eu, e avisei que não poderia esperar. A Caixa Econômica nunca decepciona, é sempre uma experiência traumática.
Semana passada fui no Dr. M, terminar de turbinar os expansores. Agora, segundo ele, apenas uma calibragem fina. Não é uma Brastemp, porque eu definiria os expansores como um saco de silicone meio desengonçado, que vai sendo preenchido com soro fisiológico, só na intenção de esgarçar o músculo peitoral pra futuramente acomodar meus peitos definitivos. Eles não tem a pretenção de ter o formato natural das mamas. Bom, dá pro gasto e não incomoda pra fazer exercícios. Ah, sim, Dr. M disse que eu já poderia começar a dar uns trotes, e eu tava super curiosa pra ver como seria correr com esses peitos novos. Esperei um resfriado passar e ontem fomos fazer a excursão família às esteiras da Smart Fit. É vero, aos domingos a gente toma café mais tarde e parte a três pra cadimia. Eu confesso que estava até constrangida de subir na esteira com esse visual roliço, com aquele condicionamento físico da turma da reabilitação cardíaca, e de repente alguém ter que chamar o SAMU, mas de vez em quando a gente se surpreende, né? Eu tava tão feliz de estar correndo, quer dizer, trotando devagar e sempre, que quando eu vi já tinham se passado 30 minutos. Tem muito condicionamento pra ganhar e muito peso pra perder, mas mesmo tendo feito uma cirurgia que foi um Scania passando por cima de mim no mês passado, posso dizer que há muito não me sentia tão bem. Foi ali que eu me dei conta do quanto a quimioterapia me deixava debilitada. Correr cinco minutos seguidos era um teste de perseverança, então, aquele trote safado, mas tranquilo, sem sensação de morte iminente, teve gosto de meia maratona. Voltando aos peitos, eu nem lembrei que carregava eles. Não balançam, não atrapalham, uma beleza. Claro que eu preferia a carroceria com os faróis originais, mas estes passaram no teste de funcionalidade. Esta felicidade em breve será mais uma vez pausada, porque semana que vem vou precisar fazer mais um procedimento, para retirar mais alguns gânglios da axila. Cirurgia muito mais simples e recuperação mais rápida, pelo menos esse é o planejado. Enquanto isso, me preparo pra ir mais forte e com o coração mais treinado.

Comecei a fazer o bloqueio hormonal e, como não menstruava há muito tempo, achei que não sentiria grandes diferenças. Menopausa química, pra mim, já era uma realidade, mas Neiva do céu! O que são as ondas de calor? Você tá dormindo no ar condicionado, o marido coberto e morrendo de frio, mas você acorda suando como se estivesse dando um passeio em Madureira, num sábado de dezembro, ao meio dia. Enfim, uma hora isso passa, né? De fato preciso agradecer ao João e ao Guga por estarem suportando essa minha TPM (tensão pós menopausa, no meu caso). Dra. XX disse que essa sensação de TPM pode durar uns dois meses. Bom, a quem está por perto de mim, desejo boa sorte. Para mim, que não falte luz e nem dinheiro pra pagar a conta do ar condicionado. O nosso jasmim manga estava só com o tronco, pelado, sem folhas nem flores, mas semana passada ele floriu e está lindo. Eu estou só querendo ser o jasmim manga, e chegar ao verão florida, bem humorada e cheia de vida.




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