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O poder do Lysoform

  • Foto do escritor: Juliana Netto
    Juliana Netto
  • 14 de mai. de 2019
  • 4 min de leitura

Geral tem medo da "quimioterapia vermelha", porque ela causa suicídio coletivo dos fios de cabelo, dá gosto metálico e aftas na boca, além de jogar a imunidade na vala, pra nāo falar do resto. Não é só ela vai, mas rola toda uma mística que envolve a danada, que realmente não é moleza. Eu sou daquela galera do "No pain, no gain". Sequelas da época de triatleta, que acha que sem sofrimento não tem evolução. A gente tem orgulho das bolhas nos pés e das unhas que caem, da marca da bermuda nas pernas, decalcada por horas de sol no lombo, e até daquela dor que faz a gente descer as escadas de lado, depois de uma prova pesada ou mesmo um final de semana de infinitos km de treino, que chegam à casa das centenas nos meses mais apertados. Voltando à quimioterapia, eu acho que aquele combo entra pelas veias que nem uma mistura de Lysoform, Vanish Poder O2 e Mister Músculos Super Cloro Gel. Entra pra destroçar a semente de cajá maligna, plantada na minha pobre mama. Então eu não tô nem aí pra essa história de cair cabelo ou coisa que o valha, até porque eu tenho a super touca inglesa pra garantir pelo menos um restinho pra depois fazer um entrelace. Essa volta toda, pra dizer que as veias podem dar uma sofrida com o chemocombo. No meu caso, ruim mesmo ficou depois da injeção do radiofármaco, naquele malfadado dia em que passei dezenove horas e meia em jejum, pra fazer o PET-CT. Dia seguinte, acordei com todas as veias da mão e antebraço doloridas e decalcadas. O Galio-68 do PET, foi o Diabo Verde que faltava pra estraçalhar as veias por dentro. Quinta-feira, 15 de abril, eu entrando no nadir (a hora que a imunidade vai pra vala)... De uma inflamação nas veias o troço virou uma infecção da mão ao cotovelo, com tudo que tem direito, menos, grazadeus, a febre. O bom de ser meio infecto-oncologista e entender dos paranauê, é que na hora que aperta a gente sabe o que fazer. Passei a mão no telefone, pedi um antibiótico e, depois de sete dias, o problema estava resolvido. Sanada a celulite, começa de novo a saga de colher hemograma, consulta pré QT, terapia, QT... A consulta trouxe boas notícias! A Dra XX falou que o cajá deu uma boa reduzida que, pra mim, foi gloriosa. Eu confesso que tava meio tensa com essa história de avaliar se houve resposta ao primeiro ciclo, e fiquei tão satisfeita que dei aquela praceada marota pra comemorar.


Uma das coisas boas desse tsunami, é me reaproximar de pessoas que eu não via ou falava há muito tempo. Dia desses, recebi a visita de uma amigona de CapUerj, que compartilha algumas das minhas manias. Eu descobri que tem outra pessoa além de mim, que ama lenços umedecidos com Lysoform, aka Lysol Wipes nos Isteitis. Ela chega a trazer malas cheias de potes de Lysol, de tanto amor que tem pelo produto. Fiquei aliviada em saber que não estou só nessa paixão, e ainda descobri alguém que pode me fornecer uns potinhos de tempos em tempos.


Na semana passada, antes da QT, notei que os fios de cabelo da parte de baixo da cabeça estavam me abandonando. Ai, quanta ingratidão! Tanto cuidado, e eles me deixando na mão! Eu tinha sido avisada que essa parte de baixo, que a touca não consegue cobrir, costuma despencar mesmo. Então, dia 9 de maio, antes de ir pra clínica, passei a mão na tesoura, utilizei minhas habilidades de cabeleireira e dei uma mudada no visu. Fez sucesso, vamos ver por quanto tempo. Por cima, a cabeleira parece seguir firme, embora mais rarefeita, conforme prometido pela touca. Aliás, o criador da touca inglesa inicialmente se inspirou no resfriamento de cerveja para desenvolver o dispositivo.

No final, tudo começa e termina nos bons drinks. Eu tô aqui, aguardando o brinde do fim dessa saga, sem semente de cajá e com minhas próteses modelo 21 anos. 


Depois da quimioterapia, vem o efeito do caminhão de corticóide na cabeça, e aquele líquido enjoado retido nas pernas. Eu fico acordada, tenho pouco sono, mas não significa que eu consiga ser muito produtiva. É uma agitação meio dispersa, talvez como quando o povo toma outras drogas estimulantes pra fins recreativos. No caso, não tem nada de recreativo, eu tenho uma relação de amor e ódio com o corticóide...mas passa rápido e, se faz bem, que mal tem?


Esse domingo, eu me dei um presente de dia das mães. Depois de ver a Daenerys lamber Kings Landing em chamas, me dei o direito de engolir meio Rivotril, que embalou meu sono na noite de domingo e na segunda quase o dia todo, com poucas pausas para levar João na escola e comer alguma coisa. Nem me lembro de sonhar, foi só um sono gostoso e vazio de pensamentos, como eu imagino que deva ser o sono dos cães e gatos, que dormem tranquilos, sem pensar em boletos pra pagar, compromissos sociais ou afazeres profissionais, e ainda acordam com a certeza de que a comida, a água e o cafuné vão estar garantidos.


Fico por aqui e mando beijos vermelhos! Vermelhos como meu coração e como o líquido que toma conta do meu corpo pra passar o rodo na semente de cajá. 


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