Penúltima QT antes da cirurgia. Ô, glória!
- Juliana Netto
- 11 de jul. de 2019
- 6 min de leitura
Tinha ficado devendo uma consulta com o Dr.XY, lembram? Quinta passada encarei a missão. Confesso que, como no início do processo, foi o pobre Dr XY que me deu as piores notícias, a ida ao antigo prédio do Bingo de Botafogo ainda era envolvida por uma aura de leve ansiedade. Aura esta que se desfez quando cheguei no corredor do sexto andar. O consultório do Dr XY é inconfundível. A porta sempre aberta e, chegando bem em frente, a pessoa dá de cara com L, a secretária que é a encarnação brazuca da Whoopi Goldeberg. Não só fisicamente, mas no jeito inconfundível de falar e olhar. Só pra deixar registrado: a-do-ro! Consultório lotado, o jeito era esperar no corredor. Eu e Gabriela acompanhávamos aflitas a falação de uma moça que já tinha sido atendida, mas mostrava os peitos, descrevia a cirurgia, contava da família, dava sugestões, enfim, ou melhor, uma história sem fim. O rosto das interlocutoras deixava claro que o pânico se instalava. L. fazia caras e bocas e eu, lá pelas tantas, comecei a pedir aos amigos do além que convencessem aquela alma a seguir o rumo dela. Depois de uma hora e tal naquele laboratório de antropologia das mamas, chegou a minha vez. A descrição do exame físico foi a ótima notícia da semana: só um "espessamentozinho de m.". A intimidade permite que o médico se sinta à vontade pra falar exatamente o que acha, numa linguagem acessível, gente como a gente, pé no chão, e eu acho ótimo, claro. Saio com a certeza de que entendi a mensagem. Levei uma chamada porque esqueci de levar o saquinho de exames anteriores. Ainda não acostumei que preciso carregar uma sacola com pastas de resultados e pedidos de exames. Saí do consultório com a missão de repetir a maratona de exames no CDPI do Leblon, pra saber o aspecto do cajá pós tratamento. Lá vou eu vestir o hobby de viscose de novo... Armaria! Terça foi dia de consulta com a Dra XX. Sempre mais light. Aquela rotina: primeiro a consulta de enfermagem com a R, sempre feliz da vida. Dá pra falar do BB cream na promoção da Venâncio, dos planos de correr uma maratona de novo, dos sapatos azuis que comprei na feirinha da São Salvador, dos pães que João fez no final de semana. Aí tem a pausa pro chá de limão e depois a consulta com a Dra XX, grazadeus, cada vez com notícias melhores.
Esta terça-feira, foi a primeira vez em alguns meses, que saí sem faixa, lenço, touca ou gorro. Acordei focada, fui ao salão, pedi pra dar uma modernizada no corte, e saí de peito aberto e cabelos ao vento. Os cabelos cresceram, e já estão disfarçando as falhas que adquiri cortando os nós que o shampoo anti-residuos do sete peles me deu de presente de grego. Precisava desse gás na auto estima depois desse intervalo com tantos dias de cama desde o último ciclo, né? O meu depoimento sobre a touca inglesa é: vale a pena! Quem precisar, tem que usar! É uma revolução. Faz muita diferença chegar ao fim do tratamento sem a característica "cara de câncer".

Ontem foi a minha penúltima QT antes da cirurgia. Nossa, saí tão animada pra passar 5h e meia na poltrona do papai, quase emocionada. E, mais uma vez, cabelos ao vento (mas nem tão ao vento, pra não mostrar as falhas, né?), fazendo carão. Como depois do último ciclo fiquei meio baqueada e comendo variações de sopa por vários dias, resolvi pedir uma indulgência pro almoço, pelo aplicativo. Poham, a pessoa cancerosa, a bunda sentada por horas a fio, e quase é apedrejada porque pediu um cheeseburger. Gustavo com medo de morrer, tá fazendo dieta e fez cara de horror pro meu cardápio. Ele tem esse medo de tempos em tempos. Faz dieta, perde peso rápido, e depois não tem mais medo de nada nessa vida, esquece tudo. Voltando ao almoço na clínica, ele pediu um bowl de salada, e eu pedi um sanduíche (com muita salada) com carne e queijo, na mesma casa de sucos. O enfermeiro França, que já trabalhou comigo, já entrou gritando "Olha ela comendo hambúrguer!". Ele é um querido, mas me defendi, não podia ficar assim! "Se você soubesse que iria passar vários dias comendo sopa depois do tratamento, não ia querer comer algo gostoso antes?". Em minha defesa, surgiu o enfermeiro J, gordinho, que avisou logo que tinha comido dois sanduíches no almoço, porque tinha promô no Mc Donald's e, que se fosse ele, iria comer de tudo, até churrasco. Resumo da ópera: pra variar não consegui comer as batatas, só comi 2/3 do sanduíche, que foi terminado pelo Gustavo que, por sua vez, tirou a máscara depois do bowl de salada, comeu o resto do meu sanduíche e beliscou umas batatas. O mate, só consegui tomar metade. Não merecia tanta bronca.
Uma tonelada e meia de corticóide depois, eu estava me sentindo o Aecim depois de cinco carreiras. Sem sono, ozoinhos inchados, quase fechando, sem vontade de comer. Dei uma descansada e fui ao jazz na São Salvador, dar um beijo na Claudinha, que fazia aniversário. Teve um monte de gente querida, como sempre, e isso faz um bem danado nessas horas. Teve risadas, um monte de abraços, cadeira de praia no chão da praça, jazz no coreto e teve até salgadinhos Skinny! Totalmente vintage.


Hoje, já acordei no modo Peppa 🐖 afro-brasileirona. Bochechas vermelhas, em brasa, olhos fechando. Tomei meu whey protein turbinado, passei o dia de meias de compressão. Quase uma Gracyanne Barbosa! De manhã, abri a geladeira e descobri uma garrafa pet azul, embrulhada num papel laminado. A vizinha boazinha que se propõe a me alimentar, fez laranjada pra mim. Colocou naquela embalagem exótica no maior carinho, e pediu pra me entregar. Tadinha, cada vez ela me dá coisas com maior concentração de açúcar e eu não sei o que dizer. A nossa vila é bem engraçada. Essa moça que faz comidas para mim, é evangélica, e dia desses arrancou o canteiro de arruda que alguém tinha plantado perto do portão, por julgar ser coisa de macumba. Acho que também foi ela que arrancou um adesivo do Freixo do nosso carro, mas no fim das contas, gosta de mim de qualquer forma. Tem uma senhora que é muito gentil comigo e, como eu, é devota de São Judas Tadeu. Ela sempre me dá calendários, fitinhas, chaveiros, convida pra quermesse. No entanto, ela é brigada com parte da vila. Eu sou muito amiga da arqui rival dela, que é uma petralha virada no Samurai Atômico, que mora no predinho na entrada da vila. Os vizinhos à esquerda são quase centenários, uns portugueses fofos e que não se incomodam com nada. Já não escutam bem, então a balbúrdia da laje não chega aos seus ouvidos. A Teca pode fazer a performance que quiser, eles passam batidos por isso. Já os vizinhos à direita (coincidentemente) são uns malas, histéricos, mal humorados, resmungões e, pasmem, super jovens. Maluquice não tem idade. O centrão, bem de frente pra mim, é super do bem. Uma família que se mudou há pouco, tem um cachorro miúdo, que mordeu a perna do Guga dia desses. Meio que virou obsessão. Se Guga tá na vila e ela pela área, ela corre pra tentar cravar os dentes nele. Este simpático animal me fez lembrar daquela encarnação do demo, o Pinscher Caolho. Quem acompanhou a saga dos seis meses em que morei no Colorado, deve lembrar que o vizinho da casa ao lado tinha um animal que toda vez que eu passava perto da casa, saía pra fazer xixi na neve e tentar morder minhas canelas. Eu quase cometi uma CANIficina, e olha que eu adoro cachorros...mas aquilo não era do bem não. Pequeno, minúsculo na verdade, um latido histérico, uma cara feia, cego de um olho. Sempre disposto a morder as pessoas. Credo! Nos ultimos dias no condomínio, descobri que na verdade era "A" pinscher caolha. Lembro que, uma vez, no dia de ação de graças, fez um solzinho que derreteu a neve. Colocaram uma bandana nela, e puseram pra coarar no sol, enquanto a família preparava os acepipes do Thanksgiving. Visão do inferno.

Enfim, muitas memórias. Isso é outra coisa boa. Eu tenho pensado em quantas coisas bacanas eu já vivi, quantas pessoas bacanas eu tenho à minha volta. A vida é boa, e eu ainda tenho muita coisa pra aproveitar.



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