Viva Mexico parte duo: El nadir mexicano.
- Juliana Netto
- 22 de jul. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 23 de jul. de 2019
Eu parei o meu primeiro relato mexicano lá no meio fio, em frente à fila pra entrar na casa da Frida Kahlo. Bom, se a pessoa é fã da Frida, depois de visitar sua casa, ver seu guarda roupa, vestidos, saias e mais tantas pinturas, desenhos, fotografias, manuscritos e objetos pessoais que refletem sua personalidade, sai de lá mais fã ainda. Foi sensacional! Eu já fiquei satisfeita de sentar naquele jardim, porque nutro um sonho de ter um jardim com árvores e um banco pra curtir a natureza. No entanto, eu já vinha com um incômodo considerável nos olhos. Na minha bolsa, hj em dia sempre tem saliva e lágrima artificial, pra lidar com as securas das mucosas. Aqui no México é muito seco, e a Cidade do México tem um problemão com poluição. Olho seco + ar seco e poluído=deu ruim...mas deu um ruim que cês não imaginam. Saímos da casa da Frida e fomos cultuar a revolução na casa do Trotsky que, como vocês devem saber, teve um rolo com ela. Na casa do companheiro Léon, que também tem um jardim maravilhoso, rola aquele cheiro bem característico dos lugares úmidos e povoados pelo mofo. Dá-lhe castigar mais os olhos.
Nesta foto aqui embaixo, à direita, se vê uma torre de vigia, que não salvou o compañero Trotsky de levar uma machadada na cabeça. Os jardins são lindos, mas o interior bem modesto.

Catamos um restaurante com aspecto seguro para uma pessoa imunossuprimida (agradeço a Guga, Aleusis e João pela paciência na hora das refeições, sei que tenho limitado bastante a experiência gastronômica deles). Pedimos um prato que parecia um churrasco misto mexicano, e que vinha com umas fatias de um vegetal que concluímos ser cactus 🌵, e uma michelada tão grande (um litro), que foi a bebida compartilhada pro almoço todo.

De lá, mandei uma foto do olho pra Isa, que é oftalmologistaa e orientou que eu usasse um colírio de antibiótico com corticóide. Depois de almoçar, entramos num mercado popular, onde comprei três caveiras pintadas, lindas! O ar ali era carregado de fumaça. Fumaça das grelhas, dos panelões de milho cozido, também de poeira das bugingangas e pó de especiarias que são vendidas a granel. Lascou de vez o bambu! Fiquei com o rosto deformado, olhos inchados, vermelhos, ardendo, doendo e lacrimejando, visão turva, um pesadelo! O olho direito inchou tanto, que parecia que eu tinha saído de uma daquelas sessões de luta livre mexicana, depois de levar um cruzado certeiro. Eu tentando manter a normalidade pra não atrapalhar o passeio da família, mas cada vez ficava mais desesperador. Enquanto eu esperava todos se reencontrarem, fiquei me divertindo olhando um grupo que dançava na praça em frente ao mercado. Onde tem praça e tem música, tem gente fazendo uns passos de dança. Uma gente alegre, esse povo mexicano. Uma senhorinha chubby e muito empolgada, fazia seus passos na contra mão dos jovens, que lacravam com sua coreografia indefectível. Ela parecia a pessoa mais feliz da praça, e eu fiquei me imaginando como ela, daqui a uns 20 ou 30 anos. La señora descompassada me representa! Voltando ao olho ruim, escrevi pros meus amigos médicos que estão na cidade, e não demorou pro Leo falar com o Márcio, que tinha um colírio fechadinho na mala, já que ele usa com frequência. Quem tem amigos, tem tudo! Obrigada, Marcinho! Eu trouxe de antibiótico a antifúngicos, de saliva artificial a Tylex, mas colírio com antibiótico nem passou pela minha cabeça colocar na farmacinha. Já com o colírio em mãos, fui pro apê descansar. Passadas algumas horas, como o olho não melhorava e eu estava sem enxergar, comecei de fato a me arrepender de ter vindo. Eu já tinha tido dois nós nas tripas naquele dia, agora estava sem exergar, com dor e longe de casa. Nessas horas a gente quer o conforto da casa e a farmácia da esquina que entrega o que precisar. Eu queria meus cachorros, tava de saco cheio de toda hora lidar com um sintoma diferente e tive um ataque de perereca! Pela primeira vez desde o começo do tratamento, eu senti realmente um fastio e preguiça dessa maratona. Pedi uma pizza hawaiana no Pizza Hut, porque me pareceu a coisa mais previsível e segura, sem muitos condimentos nem coisa crua, e depois fui dormir. Dormir cura tudo, até ataque de pelancas. Acordei com os olhos ainda inchados mas muito menos ardidos. Resolvi engolir uma prednisona pra acelerar o processo e poder ir para a conferência. Deu certo! Pouco antes do almoço, eu já pude colocar as lentes de contato. Eu tinha liberado a família pra passear cedo, e no silêncio da casa comecei o processo da make. Restam poucos pêlos nas sobrancelhas. Na parte de baixo, uma meia dúzia de cílios resiste, e eu passo rímel em cada um deles, que são cuidados com carinho. Sem gastar meus 5 a 10 minutinhos na frente do espelho, corro o risco de ser confundida com um defunto que fugiu da geladeira do IML, e espantar os traunseuntes e potenciais interlocurtores com olheiras de respeito e aquele rosto pálido e sem pêlos. Chego atrasada mas não chego feia. Sem mais, sorry.
Cheguei na conferência com uma felicidade comparável ao dia em que terminou minha licença maternidade e eu fui pela primeira vez em meses ao trabalho. Por favor não se choquem, todo mundo sabe que eu amo infinitamente o João, mas aquela coisa de maternagem exclusiva, uma hora me entediou. Voltar ao trabalho significou pra mim, existir novamente, independente daquela criaturinha que é a coisa mais importante da minha vida. Lembro que tocava Glória Gaynor no meu Uno Mille, e eu fui dançando pro INTO. Ontem eu não fui dançando no Uber, mas não senti falta de estar passeando com meus amores no México. Eu estava me reconectando com o que eu escolhi fazer da vida, não estava indo colher sangue, indo a nenhuma consulta nem fazer quimioterapia e, pela primeira vez em vários dias, não estava sentindo nada! Coloquei meu poster no lugar, com a ajuda da Pri. Ele pode não estar o melhor do mundo, mas eu sei o que passei pra ele estar ali, então achei lindo. Ô, glória! Depois de assistir a algumas sessões e rever pessoas queridas do trabalho, fui com Leo e Pri encontrar a família. João e Aleusis jogavam bolinha na praça do Zócalo, onde outro grupo ensaiava uma coreografia de uma complexidade que me deixou passada. Sentamos em uma taberna numa rua próxima, onde tinha uma promoção de duas cervezas pelo preço de uma. Aqui eles tem uns costumes bem curiosos. Este por exemplo, de trazer as duas long necks a que cada um tinha direito, de uma vez só. Mas gentchy... Eu já levei quase uma hora para dar conta de uma, imaginem a temperatura quando fosse tomar a segunda... A moça ficou super espantada, mas levou a nossa segunda rodada pra descansar na geladeira. Surpreendentemente, comemos uma comida italiana merecedora de aplausos, alguns com carne outros com camarão ou salmão de acompanhamento. Depois dessa orgia gastronômica, a conta não chegou aos 60 reais por cabeça.

Fui dormir plena! Tinha conseguido me alimentar, ir à conferência, estava me sentindo um aço. Acordei às 05:30, como de costume, me sentindo bem pra arriscar uns trotes entre Condessa e o agora internacionalmente conhecido bairro de Roma, homenageado por Alfonso Cuarón no filme do mesmo nome. Depois de uns 5km de trote naquele ritmo de reabilitação cardíaca, compramos vegetais e frutas tipicas pro café da manhã e estou novamente a caminho da conferência. Grazadeus, meu piti foi breve e estou de volta ao combate. Viva México! Arriba, arriba e hasta la victoria, siempre!



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