Viva México, parte uno.
- Juliana Netto
- 22 de jul. de 2019
- 5 min de leitura
Todo ano, em julho, acontece uma conferência da sociedade de AIDS. Esse ano, eu estava bem pimpona para aproveitar a ocasião e visitar a Cidade do México. Tinha descolado uma bolsa de estudos, ficava mais viável da família ir junto. Claro que quando mandei o trabalho pra avaliação, nem de longe imaginava estar agora passando por esta loucura de quimioterapia, touca inglesa, cirurgia, nadir e tal... Voltando à vaca fria, eu não cogitei a possibilidade de não concretizar essa viagem. Num primeiro momento, não achei a cara da Dra XX a mais animada do mundo quando eu disse que ique viria para o México. Eu também não teria ficado animada se um paciente meu viesse com o mesmo papo nessas circunstâncias. Como a coisa foi indo bem, e até agora não dei nenhum susto, fui liberada. O dia da viagem chegava cada vez mais perto, e nada de eu conseguir fazer meu poster pra apresentação. O vôo partia dia 18, às 5:30 da manhã. Segunda, dia 15 e eu cheia de dor nos quartos, sem conseguir ficar sentada por muito tempo. Dia 16 chegou, eu ia ter que dar o meu jeito, com dor ou sem dor. Claro que só consegui terminar a primeira versão do poster quase à meia noite, uma sofrência danada. Separar roupa? Trocar dinheiro? Depois eu resolvo isso. Dia 17, véspera da viagem. Marquei unhas pelo App, porque já sabia que não havia chance de ter tempo de sair de casa pra isso, e não dava pra viajar com pé de dinossauro. Chovia daquele jeito que quem é carioca conhece bem, quando a manicure chegou. Por acaso, veio uma moça super legal que já tinha ido uma vez lá em casa, há alguns meses. Pelo App a gente não sabe quem vem, foi bom ver uma cara conhecida e eu tenho muitos motivos pra gostar da Maria. Ela é aquariana como eu e João, pra cima, bem humorada, adora cachorros. E pra quem pensa que se trata apenas de uma afinidade superficial,vem o mais incrível: o programa preferido dela é "Vende-se pântano". Quantas pessoas assistem regularmente "Vende-se pântano"? Eu e a Maria! Tenho certeza! Minha bff Maria comentou que minhas unhas estavam curtas, e foi quando eu contei que estava fazendo quimioterapia e que minhas unhas estavam quebrando muito desde então. Cara, não é que ela me disse que estava com um "caroço" no peito, que ele vinha crescendo e incomodando, e por isso ela tinha procurado a clínica da família mas não tinha sequer conseguido agendar uma mamografia?! Tão vendo porque eu falo que, dentro das possibilidades, eu sou privilegiada? Eu liguei pra Central do Bronstein e agendei pra ela ultrassom e mamografia pelo programa Bronstein Popular. Olha, é dessas coisas que a gente não imagina como acontecem. Quase um ano depois, essa moça foi bater lá em casa, precisando agendar exames para investigar uma suspeita de Ca de mama... Ela se foi e eu fui terminar o poster e caçar um lugar pra imprimir. Catei o João pra fazer companhia e, já com a missão do poster cumprida, eu disse que iríamos comprar um sapato pra ele. "Mas por que???". Mano, ser mãe de menino é isso. Ter que explicar que agora que ele calça 42, só tem o tênis da escola, que ele usa há sete meses diariamente, um tênis pra correr e uma sandália, seria de bom tom ter um sapato para ocasiões que não fossem escola e corrida no Brejão. Cheguei em casa na capa do Batman. Não estava conseguindo imaginar como que ia dar conta de arrumar a mala, mas no fim a gente sempre consegue. A parte mais bizarra agora, é carregar um monte de remédios. Pra falar a verdade, eu precisei de fazer uma longa lista pro Guga ir comprar na Venâncio e economizar uns mitos. Quando a gente passa pra escala industrial de compra de remédios, tem que se preocupar com isso. É remédio pro estômago, pra enjôo, pra dor de barriga, alergia, dor no corpo e sapinho na boca. Antibiótico, antifúngico, enfim, pode pensar numa categoria que eu tenho na frasqueira de farmácia. Uma vez pronta a mala, devo ter conseguido dormir uns 30 minutos antes de me arrumar pra sair pro aeroporto. Lá no Galeão, os corredores pareciam longos, e eu estava penando com dor lombar e falta de ar. No salão de embarque, resolvi que a saída pra aguentar aquele vôo seria o dopping. Mandei um Tylex e um sossega leão pra dentro, e tentei não tomar conhecimento de quão desconfortável aquela poltrona de avião era para mim. No café da manhã, eu tive a prévia de como seria o resto do dia. Não comi as frutas (cruas e manipuladas, vai que dava ruim na barriga no meio do vôo), e me contentei com um modesto e insosso omelete sem recheio e um suco de caixinha. Já descemos pra conexão em Lima mortos de fome. Havia engarrafamento na pista de decolagem, o que atrasou um bocado o início do serviço de bordo. A fome só aumentava. O comissário sorridente anunciou o cardápio: lasanha de vegetales. Tá, parecia promissor, mas...eram vegetais low carb enrolados numa massa de panqueca. Sobremesa intragável. Fome. Muita fome. Chegamos finalmente no México. Um engarrafamento monstro pra chegar no apartamento. No prédio, o apartamento ficava no último andar e não havia elevador. Com a altitude e funcionando com muito menos hemoglobina e hemácias que o meu basal, cada degrau era um desafio.Um lance de escadas parecia um tiro de 100m na piscina. Já no apartamento, una señora ainda terminava a limpeza de "la habitacion". Mais atraso pra gente poder descer pra comer. Eu logo vi que os hóspedes que tinham acabado de sair tinham deixado uns pacotes de tortillas em cima da bancada da cozinha, e estava esperando la señora se mandar pra poder cair dentro. Pra minha decepção, quando ela saiu levou os pacotes com ela. Eu quis chorar, mas não ia resolver, então descemos e entramos no primeiro lugar com uma cara limpinha e agradável que achamos.

Viemos pra cá eu, Guga, João e a marechala do nosso bloco, mãe da Gabriela, a maravilhosa Aleusis. São mais de sete décadas de pura vitalidade, saúde e alegria de viver. Na sexta-feira, fomos ao Bosque de Chapultepec, com a meta de ir ao museu de antropologia. Olha que eu já rodei um bocado nesse mundo, mas que parque! E eu lá olhando os três provando frutas com chilli, bolinhos de tamarindo, raspadinhas e outras delícias da comida de rua, sem poder experimentar nada. Sensacional, sqn. Chegamos no museu. Lindo, grandioso, impressionante. Havia uma exposição temporária do Pierre Verger logo na entrada. Lágrimas nos olhos, sou apaixonada. Na primeira sala do museu eu já estava dando sinais de que não ia conseguir durar muito por lá. Tonteira, dor no corpo, toda catrevada, apesar de toda a minha vontade de estar ali. Sentamos no restaurante do museu. Diante do cardápio e da instabilidade da minha barriga, eu me limitei a uma sopa de cogumelos que foi um bocado decepcionante, já que se tratava de um caldo bem aguado com umas fatias de shitake, tipo zero calorias. Embora eu esteja muitos quilos acima do meu peso ideal, ficar em jejum não ajuda nada nesse momento. Peguei um Uber e me mandei de volta pro apê, pra não atrapalhar o passeio dos três. Não dá pra ter o mesmo ritmo de viagem, já ficou claro, mas eu tô adorando estar por aqui.
Agora escrevo sentada num meio fio, ao lado da fila para entrar na casa da Frida, que circula o quarteirão. Tem essa vantagem, tô liberada de ficar em pé na fila, né? Um coroa cabeludo e com longa barba branca, dá voltas em uma bicicleta alegórica, com uma salamandra de papel machê que abre e fecha a boca, esperando ganhar uns pesos pela performance. Vendedores oferecem churros em bacias plásticas expostas ao relento. Mulheres em trajes típicos anunciam todo tipo de bugigangas com alusão à Frida. Acaba de passar um homem oferecendo formigas gigantes fritas, em um latão. O México é uma festa de cores e sabores, mas dessa vez, vou basicamente me limitar às cores. Os sabores, ficam para uma próxima visita.





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