As águas de março, a asma e o Coronavírus.
- Juliana Netto
- 9 de abr. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de abr. de 2020
Nem me lembro a última vez que escrevi por aqui, só me lembro que foi em fevereiro. Eu estava saindo daquela vala da anemia, muito animada pra voltar a ter um mínimo de normalidade na vida. Tive uns dias bons, deu até pra fazer a exibição da minha figura no Bagunça Meu Coreto, com minha fantasia de Bacurau, com um drone de quentinhas de alumínio, que peguei emprestado da marechala. Mais uma vez João inventou uma fantasia conceito, que deu um trabalho hercúleo. Dessa vez ele quis ir fantasiado de caminhão pipa do Bacurau, alvejado pelas balas dos gringos. Já falei pra ano que vem escolher uma coisa mais simples, até reeditar a fantasia de fantasma do comunismo tá valendo, mas pelamor, nada daquela trabalheira de novo. Tirei foto carregando o estandarte, fiquei até o fim do bailão no coreto e depois fui pra casa almoçar, tomar banho, e dormir até o dia seguinte, com alguns intervalos para ir à cozinha e ao banheiro. Depois do carnaval, fui à Fiocruz, cheia de atitude, tentar vislumbrar como organizaria minha volta, peguei uma pasta cheia de casos de óbito pra revisar, tava pura empolgação.
Deu-se então, que a virose que eu arrastava desde antes do meu aniversário, no começo de fevereiro, descompensou loucamente a minha asma, e virou pneumonia. Era tosse, era ronco, sibilos pra todo lado, e não tinha remédio nesse mundo que fizesse aquilo melhorar. Eu muda, sem voz. Tentei fazer a sessão do Lysoform num dia em que eu acordei me sentindo melhor, mas os brônquios danaram a fechar-se, a saturação de oxigênio caiu, e o máximo que eu consegui foi ganhar um bocado de corticoide na veia e ser dispensada pra casa. A essa altura, eu já estava tomando seis medicamentos pra asma e nada de parar de tossir e chiar. Toca fazer antibiótico pra pneumonia! Depois de uns dias de antibiótico, a coisa começou a acalmar, o pulmão secou e eu comecei a ter umas noites menos cansativas. Quem tem asma sabe que quando tá em crise, deitar e dormir é um luxo. E depois dessa melhoradinha, acordei uóooooolace numa segunda-feira. Ladeira abaixo de novo! A semana seguiu, e lá pela quinta-feira daquela semana, meu compadre testou positivo pra Covid19. Eita, caceta! Toca pra Fiocruz numa sexta à tarde, colher material pra testar pro Corona: PCR negativo. Ufa... Ufa, Pero no mucho... Asmática do cão, fazendo tratamento pra Ca de mama. É grupo de risco que chama? Então, trancada em casa. Eu não recebo nem os entregadores de farmácia ou mercado.
Guga tomou gosto pela faxina, e eu confesso que já tô com um certo trauma do barulho do aspirador de pó. Ele comprou 10 litros de cloro concentrado, fez uma "área contaminada" no hall de entrada, e desinfeta tudo antes de eu colocar a mão. Segue tooooodas as recomendações mais criteriosas. Descarta embalagens, lava tudo que é entregue ou passa álcool. Álcool temos de todas as formas. Em gel, e até um galão de 5 litros do álcool 70% líquido, que é usado em spray pra desinfetar superfícies e embalagens. O tal do Veja Multiuso também nunca foi tão usado por aqui... Ah, temos álcool em forma de vinho também.
Eu venho, apesar dos tropeços, me forçando a pedalar no rolo quase diariamente. Subo na bicicleta do jeito que der. Muda, cansada, achando que não vou aguentar, mas depois que a endorfina age, sou capaz de tomar um banho e dormir mais feliz. Encaro como remédio e parte do meu tratamento.
Essa semana que passou, foi a semana da tal imuno-QT maravilhosa, só que nem tanto. Okay, não cai o cabelo, mas se você tem CRM +, que é o meu caso, pode cair naquele grupo do povo que parece que estudou todos os tópicos de eventos adversos da bula do do remédio, e cumpre todas as etapas, passo a passo. E eis que comecei a ter o revival de dezembro, quando passei mal e dormi no carro, no estacionamento do Mundial, na véspera do Natal. Um enjôo danado, uma dor no lombo que dá a impressão de que eu tomei uma surra de pau de maçaranduba, cansaço... Soquei um Vonau, dipirona, não adiantou, repeti o Vonau, tomei dois Dorflex, um Tylex, apelei pro óleo de CBD que estava guardado na caixinha de remédios desde que terminei a QT heavy metal. Aí descubri que não posso tomar o CBD com o Lysoform novo, e agora foco em pensar que daqui a poucos dias isso passa. Também tento não pensar que ainda faltam dez sessões desse troço. Neste dia que fui fazer o tratamento, pedi pro Guga pra gente dar uma volta de carro pela Urca e pelo Aterro. O coração chega a apertar de vontade de andar livre por aí, mas isso não é exclusividade minha, a humanidade está toda trancada em casa. A primeira coisa que eu vou fazer quando puder sair de boas de casa, é dar um mergulho no mar.
Com tudo isso rolando, eu andei sentindo uma culpa danada de ser infectologista e não estar lá na linha de frente nesse momento. Comecei a ler mil artigos sobre o Covid1-9, assistir aulas on line e deixar a TV ligada na Globo News 24 horas por dia. Óbvio que isso só gerou ansiedade, e eu tive que ter a humildade de aceitar que dessa vez eu sou expectadora e paciente, aliás, uma paciente bem impaciente. Agora dedico umas horas a cuidar das minhas plantas, dei um up nas orquídeas e até aprendi a fazer uns saquinhos de tecido, pra pendurar algumas na tangerineira.
Mês passado, pedi pra tatuar uma fênix enorme no braço. Trata-se de um ser mitológico, descrito como uma bela ave que possuía uma força extraordinária e podia viver quinhentos anos. Suas lágrimas podiam curar qualquer doença, possuía um lindo canto e ao final da vida entoava uma melodia triste. Após isto, queimava-se, voltava a ressurgir, e as cinzas que sobravam deste processo tinham a propriedade de ressuscitar os mortos. A Fênix é uma ave que simboliza o renascimento, o triunfo da vida sobre a morte, o eterno recomeçar, porém sem perder a essência, por se tratar sempre da mesma criatura. Desta maneira, simboliza a vida e seus ciclos, a esperança, o fato de que é preciso dar a volta por cima nas situações adversas. Achei bem apropriado pro momento. Há uns dois anos, mas principalmente do dia 26 de março do ano passado pra cá, vivo um eterno cair, levantar, cair levantar. Às vezes eu lembro daqueles filmes do Rocky Balboa, em que o cabra acha que vai levantar, aí leva uma porrada na cara e cai de novo. Mas eu não desanimo, sei que esse tratamento tem dia pra acabar, e que em algum momento as coisas vão voltar ao normal. É claro que nunca mais serei a mesma Juliana, aliás, a cada dia que passa sou uma Juliana diferente da de ontem, e isso é bom.
Pra aliviar a querentena, armamos a piscina no terraço, sob muitos protestos do Guga, que diz que ela dá uma trabalheira danada. Isto porque ele fica medindo o pH da água, calculando o cloro, floculante e coisa e tal. Eu já acho que basta jogar o flutuador com o dispenser de cloro, ligar a bomba e tá tranquilo. Além de me aliviar dos calores que ainda me perturbam, ajuda a soltar o corpo nos momentos em que me sinto moída de dor nas carnes. Eu já posso pegar um solzinho, e estou até com uma marquinha de biquíni novamente.
Ontem, enquanto eu escrevia esse post, ultrapassamos a marca das 950 vítimas fatas da Covid-19 no Brasil. Não dá pra ficar indiferente... Por estes dias, assistimos novamente ao filme do Fernando Meirelles, O Ensaio Sobre a Cegueira, baseado num dos meus livros preferidos, do mestre Saramago. E eu fico imaginando que quando pudermos voltar a ocupar as ruas, praças e praias, e nos abraçar, será como quando os cegos conseguem fugir do claustro, e sentem a chuva a cair sobre seus corpos, e se abraçam, choram de felicidade e, pouco a pouco, voltam a enxergar...









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