O novo chemo-combo
- Juliana Netto
- 23 de nov. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jan. de 2020
Desde a última cirurgia, virei figurinha fácil no consultório do Dr. XY. Só pra ver se podia tirar o dreno, foram três visitas. Três oportunidades ímpares de conviver com a melhor secretária do mundo, a Whoopi Goldberg brasileira, e com a fauna que frequenta o consultório. É bem engraçado ver aquela mulherada falando das cirurgias, dos peitos e, de vez em quando, presenciar uma se empolgar e botar os faróis novos pra fora, pra mostrar pras colegas como ficou. Quando essas coisas acontecem, eu logo olho pra cara da Whoopi, que tem as melhores expressões faciais pra traduzir sentimentos de "eu não tô vendo isso" ou "ninguém merece". Espirituosa como sempre, andou perguntando pra quando eu queria marcar minha consulta de pré natal, dada a frequência com que eu estava fazendo a exibição da minha figura por lá. O dreno demorou mais pra sair dessa vez, o que me obrigou a dar uns rolês com ele na rua, e até pedalar na minha sala com o troço pendurado. É bem esquisito sair com uma "granada" debaixo da blusa, e um tubo preso com dois alfinetes de fralda na roupa. Sabe aquele pessoal que fica de sonda urinária no sinal, pedindo dinheiro? Eu não tinha como não me lembrar deles...mas também não tinha escolha. Então, o dreno fez uma passagem relâmpago no lançamento do lindo livro do AC Junior no Bip, bateu um ponto na praça (mas não foi muito bem sucedido, eu morri de dor nas costas porque não tinha levado minha cadeira de praça), e foi até ao cinema, assistir à pré estréia de "A Vida Invisível". Nossa, que filme lindo! Nesses tempos tão difíceis, ver o Brasil produzir jóias como Bacurau e A Vida Invisível, é um alento pro coração. Eu e a "granadinha" adoramos ir ao cinema, mas bom mesmo foi quando o Dr. XY tirou aquele troço. Você tá no pós operatório, com dor no lombo porque só tá botando peso num lado do corpo, lidando com a menopausa química, e ainda tem que medir débito de dreno duas vezes por dia e exibir um volume esquisito debaixo da roupa? De todo modo, valeu a pena! Eu relutei um pouco em aceitar que seria necessário fazer essa segunda cirurgia, mas Dra XX me convenceu, com aquela vozinha doce mas mandando na lata: e se depois aparece alguma coisa, você vai estar tranquila de ter feito tudo que podia? Nom, né ? Argumentação boa... Então arranca logo esses gânglios do suvaco e toca pra frente. Quando o laudo da biópsia saiu, dizendo que todos os quatorze linfonodos estavam "limpos", o Dr XY confessou que ele tinha ficado muito preocupado, mas agora estava aliviado. Tadinho, eu sei que também não é fácil pro médico. Agora, fatura liquidada. O que tinha pra tirar na faca, ele tirou, podemos respirar com calma. Depois da última consulta com o meu mago do bisturi, segunda passada, eu fui à consulta com a minha fisioterapeuta diva, rainha, que faz prevenção e tratamento de linfedema associado a cirurgias oncológicas. Ela ficou tão animada, que disse que achava que eu não precisava de voltar tão cedo. Eu fiquei mais animada ainda de escutar isso e ver que esse fantasma, pelo menos por hora, está longe das bandas de cá.
Terca-feira, teve consulta da Dra XX pra liberar o início da nova quimioterapia. Doze meses do novo chemo-combo pela frente, é o que temos pra hoje. Comecei ontem o novo Lysoform tira tumor, suave para os cabelos. Até então, tô achando tranquilo. Esse medicamento é novo, tal de TDM-1, uma combinação de um anticorpo pra um receptor específico desse tipo de tumor, com um quimioterápico que, sozinho, era tão tóxico que matava até os ratos dos testes. Com essa tecnologia admirável, o anticorpo se liga seletivamente às celulas com esse receptor, e joga a naftalina lá dentro delas. Desse jeito, a quimioterapia não castiga o corpo todo e não faz cair os cabelos. Muito engenhosos esses caras que inventaram isso. Tá, claro que tem efeito colateral, não é groselha não... Além do tumor, as células do sangue também tem esse receptor mas, vamos combinar, é uma revolução e incomparável com a saga de passar sete horas numa poltrona, chupando gelo, usando uma touca gelada na cabeça e sentindo gosto de garfo velho na boca. Ontem, no meu début, passei três horas na clínica. Tomei uma água de coco, me cobri com a minha mantinha, assisti ao compacto do mundial de ironman de Kona desse ano, e vou dizer que achei um passeio perto das experiências anteriores.

Sem touca, com cílios e sobrancelhas! 🙃😊

Segunda-feira que vem, tem a primeira consulta com o radioterapeuta, Dr. RT, pra programar como vai ser esse tratamento. Doida pra riscar essa radioterapia da lista de tarefas do ano. Tem gente que pergunta: "Nossa, mas tem que tomar comprimido, fazer rádio e ainda vai ter um ano de quimio depois das cirurgias"? Sim, vai ter isso tudo, e eu tô dando grazadeus por ter acesso a medicamentos que, lamentavelmente, não estão disponíveis para todas as pacientes. É isso, nossa sociedade é muito desigual e injusta, nem todo mundo tem acesso aos recursos para se tratar e continuar vivendo, acompanhando os filhos crescerem, tendo qualidade de vida. Então eu agradeço e continuo meu tratamento, feliz da vida.
Essa semana, aconteceu uma coisa engraçada. A Marcinha, minha treinadora há quase treze anos, veio me propor de fazer a meia maratona do Rio no ano que vem, pra dar uma animada no meu astral pros treinos. Aí eu confessei que, na verdade, eu estava querendo me inscrever pra maratona inteira, mas estava com medo de levar bronca. Surpreendente, ela entendeu o quanto era importante pra mim, ter um desafio que me ajudasse a ter forças pra levantar da cama e sair pra treinar. Porque tem dias que dá vontade de ficar na cama mesmo, um cansaço... Fácil não vai ser, eu tô ligada. Não devo estar no melhor da minha disposição, certamente não no melhor da minha forma física, mas o espírito da tiazona chubby nāo mudou: nós trupica mas num cai. Sexta saí com meu novo uniforme de treino, com FPS 50+. Além de muito bloqueador no corpo, tô usando um conjuntinho de bermuda e camiseta de compressão preto, com proteção UV, que me faz parecer uma mortadela Reginelle de luto porque o presunto bateu as botas. Antes que alguém remungue, dizendo que maratona não é coisa que uma criatura recebendo quimioterapia faça, estou liberada para fazer qualquer exercício com o qual eu me sinta bem. Minto, pelo que entendi, a rádio vai segurar meus planos de voltar a nadar, mas vai que o Dr. RT me surpreende na segunda-feira... Novidade maior ainda, é que Guga disse que vai fazer a maratona também, pra me acompanhar. Eu nunca, jamais de la vie, imaginei escutar ele dizer que faria uma maratona. Foi uma surpresa pra mim, mas temos que reconhecer que é um puta ato de solidariedade alguém se propor a treinar pra uma maratona, pra não deixar a companheira que está fazendo quimioterapia sozinha na missão.

Imaginem uma pessoa realizada. Depois que eu treino, eu nem lembro de consultas, quimioterapia, cirurgia e coisa nenhuma.
Hoje o João se apresentou na CAL, com aquela peça muito bacana, "Maria do Caritó". Foi uma apresentação mais que especial. Tava lá, vivona, sem cajá, sem caroço do mal no suvaco, assistindo a evolução dele no teatro, e de quebra ainda assisti à estréia da Florzinha, de uma família mais que querida.

Bom, parece que o jogo do Flamengo acabou, o pessoal grita horrores por aqui. Meu despertador está tocando, vou lá tomar meu tamoxifeno. Beijo no coração pra vocês!



Ju, Diva!!!